Quando recordo os derradeiros dias do Boby, o coração cobre-se de amargura.
Era um cachorrinho alegre, companheiro fiel, folgazão, como poucos e dedicado como ninguém.
Um dia refugiou-se na casota. Os olhos embaciaram-se. Deixou de comer, e mirava-me com ar tristonho, como querendo dizer-me: - Acode-me! Tu que nas longas e frias noites de Inverno, prendes o Sol dentro de casa, e com simples clic enches a sala de luz, não me deixes morrer!
Impotente, assisti à agonia. Aos últimos paroxismos com a pata branca entalada entre os dedos.
Confesso que chorei. Acabara de perder um amigo, daqueles que raramente existem entre os homens.
E no entanto sabia, que seus doze anos não permitiriam longa vida.
Ainda que reconheça que a morte é o novo nascimento. Que se nasce em dor e em dor se morre, para renascer para a Vida. Vejo-a como um mistério, mistério não totalmente revelado.
Passamos a vida mergulhados em sonhos: Quando crescer; quando completar o curso; quando casar; quando tiver filhos; quando me reformar, hei-de fazer isto e aquilo.
O tempo passa, passam os anos, e sempre a viver de quimera em quimera.
Desde que tivesse o prato cheio e o carinho dos donos, o Boby era feliz. Não aspirava riqueza, fama, poder, prestígio, como os humanos, que se afadigam a obterem centelhas de sucesso.
Atropelam-se uns aos outros, maltratam-se para serem os primeiros, os melhores, como se fossem eternos, como se fossem deuses.
Olvidam que tudo é passageiro: a beleza desaparece, a riqueza passa, a fama não mais é que fogo de artificio: incendeia, rebrilha, reluz, e morre para sempre.
Velho e sábio filósofo da antiga China, sempre dizia ao ouvir louvar um intelectual: “ Daqui a cem anos, nem ele, nem esta desprezível mosca, que cruza o ar, serão lembrados!” Tudo passa! Tudo esquece!
O Eclesiastes tinha razão ao asseverar: Tudo é vaidade!
Em breve milhares de crentes vão enflorar campas, rezar pelos entes falecidos. É gesto de saudade e ternura; mas poucos, muito poucos, recordam-se deles no quotidiano.
No entanto, muitos objetos, utensílios, que usam, que afirmam serem deles, já foram dos seus antepassados.
Quem se lembra das privações, das horas de profunda amargura, que a mãe, o pai, passou para que pudessem cursar o ensino superior?
Quantos, bem instalados na sociedade, recordam que o conforto que possuem, devem aos pais, a avós, que se privaram de muito, para que tivessem sucesso, fama, poder e dinheiro?
Neste dia tão significativo, dedicado aos nossos ascendentes falecidos, saibamos agradecer em oração:
- Obrigado, mãe, pelo vestido que não tiveste, para que nada me faltasse. Obrigado, pai, que com o teu trabalho, pagaste os meus estudos. Obrigado antepassados, que repousam na eternidade. Sem vós não teria vida Obrigado a todos, porque dentro de mim, vive um pouco de todos. Porque sou um pouco de cada um.
HUMBERTO PINHO DA SILVA - Porto, Portugal
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