quinta-feira, 27 de agosto de 2009

TELEFONIA - SOBRE A COBRANÇA DOS PULSOS EXCEDENTES ALÉM DA FRANQUIA – QUEM DEVE DECIDIR?

Luiz Carlos Nogueira (OAB/MS-4854)

Na sessão plenária de quarta-feira (26/08/2009), depois de analisarem os embargos de declaração opostos no Recurso Extraordinário (RE) 571572, recurso este interposto pela Telemar Norte Leste contra uma decisão de Turma Recursal Cível e Criminal do Tribunal de Justiça da Bahia (TJ-BA), os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) entenderam que: das decisões dos juizados especiais em ações de cobrança de pulsos, além da franquia, entre consumidor e companhia telefônica, cabe reclamação ao Superior Tribunal de Justiça (STJ), porque não existe previsão legal de órgão uniformizador da interpretação da legislação federal para os Juizados Especiais Estaduais.

Em seu voto a ministra Ellen Gracie ressaltou que, essa lacuna, será preenchida com a criação da turma nacional de uniformização da jurisprudência prevista no Projeto de Lei 16/2007 de iniciativa da Câmara dos Deputados, que já está tramitando no Senado Federal. Disse ainda a ministra, que: “Desse modo, até que seja criado o órgão que possa estender e fazer prevalecer a aplicação da jurisprudência do STJ, em razão de sua função constitucional, da segurança jurídica e da devida prestação jurisdicional, a lógica da organização do sistema judiciário nacional recomenda se dê à reclamação prevista no art. 105, I, f, da CF amplitude suficiente à solução deste impasse”, aliás, até porque se trata de matéria infraconstitucional.

Esta, é sem dúvida uma situação complicada para ser resolvida pelos Juizados Especiais Cíveis de Pequenas Causas, tendo em vista a dificuldade de se aferir se as cobranças de pulsos além da franquia estão corretas. Mesmo com a discriminação dessas cobranças nas faturas das contas telefônicas, como é possível afirmar quando estão certas ou erradas? Ora, não existe medidor desses pulsos instalado nos telefones, como acontece com os fornecimentos de água, energia elétrica e gás, que permite o consumidor conferir.

Nesse caso, para decidir, o Juiz deverá: 1- aplicar o benefício da inversão do ônus da prova (art. 6º, VIII, da Lei 8.078/90 – Código de Proteção e Defesa do Consumidor) em favor do consumidor?,
“Art. 6º São direitos básicos do consumidor:
[...]
VIII - a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiências;”

ou para julgar consentaneamente com os princípios da imparcialidade;

2- inquirir técnico de sua confiança (nos moldes do art. 35 e seu parágrafo único da Lei 9.099/95, que dispõe sobre os Juizados Especiais Cíveis e Criminais), permitindo às partes a apresentação de parecer técnico, ou realizar inspeções ou determinar que pessoa de sua confiança o faça?
Ora, isto não é exatamente um exame pericial. Ou é ? — vejamos:


“Art. 35. Quando a prova do fato exigir, o Juiz poderá inquirir técnicos de sua confiança, permitida às partes a apresentação de parecer técnico.
Parágrafo único. No curso da audiência, poderá o Juiz, de ofício ou a requerimento das partes, realizar inspeção em pessoas ou coisas, ou determinar que o faça pessoa de sua confiança, que lhe relatará informalmente o verificado”.

Penso que quando a lei fala em INQUERIR, não se está tomando essa providência como PERÍCIA, conforme ocorre na Justiça Comum, pois o Código de Processo Civil (CPC), trata desse mister em sua Seção VII , exatamente com a expressão — DA PROVA PERICIAL.
E o Art. 420 do CPC, diz que:

“Art. 420. A prova pericial consiste em exame, vistoria ou avaliação;”
Parágrafo único. O Juiz indeferirá a perícia quando:
I – a prova do fato não depender do conhecimento especial de técnico;
II – for desnecessária em vista de outras provas produzidas;
III – a verificação for impraticável.”

O que aconselha a boa técnica jurídica, uma vez constatada pelo juiz, a existência de questão fática complexa, sendo impossível a resolução por meio de simples inquirição, na audiência, de técnico de sua confiança, é que o processo deve ser extinto, sem julgamento do mérito, nos moldes do artigo 51, inciso II, da Lei 9.099/95?

“Art. 51. Extingue-se o processo, além dos casos previstos em lei:
[..];
II - quando inadmissível o procedimento instituído por esta Lei ou seu prosseguimento, após a conciliação;”

A prova pericial não é endereçada aos Juizados Especiais de Pequenas Causas, porque caminha na contra-mão dos princípios norteadores dessa Justiça Especializada, pois impede que se dê celeridade à finalização dos processos.

Assim confirmam as orientações jurisprudenciais predominantes:

“O sistema dos Juizados Especiais Cíveis é incompatível com a produção de provas complexas, haja vista sua celeridade, simplicidade e informalismo, expressamente previstos na Lei n.º 9.099/95. (2.º Colégio Recursal dos Juizados Especiais Cíveis da Comarca da Capital, rel. Juiz Soares Levada, julg. 10.4.1997, in Revista dos Juizados Especiais, ano 2, vol. 4, abr/jun, 1997, p. 187 a 189).”

“Admite-se a prova técnica nos Juizados Especiais, através de simples esclarecimentos do experto, em audiência. Quando para a solução da controvérsia for necessária uma perícia, nos moldes habituais do Código de Processo Civil, a causa deverá ser considerada complexa e encerrada no âmbito do Juizado Especial, sem julgamento do mérito, com a remessa das partes à Justiça Comum. (JEC, Apelação 100/96, 1.ª Turma Recursal, Belo Horizonte, rel. Marine da Costa in Informa Jurídico 25)”.

“Julga-se extinto o processo, com fulcro no art. 51, II, da lei de regência, em que a causa apresenta questão cuja solução exija o exame de questões de alta indagação, realização de prova pericial e o procedimento estreito no juizado não permite um desenlace satisfatório. 3. Sentença cassada para extinguir-se o processo com fulcro no art. 51, II, da Lei n.º 9099/95.” (JEC, Apelação, proc. 20010110058562, acórdão 144662, 2.ª Turma Recursal, Distrito Federal, rel. João Egmont Leôncio Lopes, julg. 18.09.01, pub. 16.10.2001, p. 191 in Informa Jurídico 25)”

“ Mostra-se complexa e, portanto, refoge à competência do Juizado Especial Cível, matéria que exige a produção de perícia técnica, para determinar a causa em que se baseia o pedido inicial de ressarcimento de danos. (Processo de apelação cível no Juizado Especial 20010110737238ACJ, 2.ª Turma Recursal dos Juizados Cíveis e Criminais do Distrito Federal, rel. Benito Augusto Tiezzi, julg. 8.5.2002, DJDF 18.6.2002, p. 135 - in Jurisprudência Informatizada Saraiva 33)”.

““O art. 35 caput e seu parágrafo único, da Lei Federal n.º 9.099 de 26.09.1995, em consonância com o princípio geral da oralidade do art. 2.º do mesmo estatuto, conduzem à conclusão de que no sistema dos juizados especiais, a prova técnica poderá ser produzida, desde que o seja apenas oralmente. A realização da perícia médica, que implique na produção de prova fora da audiência, com a apresentação de laudo escrito, enseja o prolongamento da instrução, em dessintonia com os princípios da simplicidade, informalidade, economia processual e celeridade, todos norteadores do sistema especial.” (TJSC - CC 97.000813-9 2.ª C.C. - rel. Des. Nelson Schaefer Martins - julg. 10.4.97)”.

Todo esse entendimento se firma na jurisprudência e na melhor Doutrina, penso eu.

Atentemos, pois, para o fato de que os autores não conseguem e não podem produzir provas concretas, sobre a sua discordância, por exemplo, da medição de pulsos telefônicos, porque escapa da sua possibilidade de aferi-los, pois dependem de aparelhagem sofisticada que não possuem. No caso do fornecimento de água, energia elétrica e gás, existem medidores para aferir o consumo, o que não é o caso da telefonia. Da mesma forma que os autores, os Juizados de Pequenas Causas não têm como apurar a veracidade e a exatidão dos fatos, senão por meio de perícia técnica especializada nesse campo, para sentenciar com a segurança necessária.

Pensar na hipótese da inversão do ônus da prova (art. 6º, inciso VIII do Código de Defesa do Consumidor) para o julgamento de um feito dessa natureza, respeitando quem pensa diferente, seria uma cogitação inadequada, para uma prestação jurisdicional consentânea com os primados da boa técnica jurídica, porquanto redundaria ineficaz, como será demonstrado.

Nas questões de alta complexidade, a inversão do ônus da prova não é boa conselheira, se baseada apenas na simples afirmação das partes, pois, o Estado-Juiz não deve usar do seu talante, para ser partícipe de uma ignara veleidade, donde fatalmente resultaria na entrega de uma prestação jurisdicional defeituosa.

Acredito que não é bom trilhar por essa via simplista, tomando atalho, pois isso não é fazer justiça. Fazer justiça é dar à cada um o que realmente lhe pertence por direito.

A sentença que eventualmente acolhesse os pedidos de autores, visando o aferimento dos pulsos, seria inexequível nas Varas dos Juizados Especiais, pois bastaria o réu ou a ré exibir um relatório demonstrando que fez o rastreamento das ligações, a quantidade de tempo gasto e os pulsos excedentes, indicando os métodos dos quais poderia utilizar-se, e o Juiz não teria meios para aferir a certeza da prova, e tampouco se a ordem dele emanada estaria sendo cumprida corretamente. Para tanto, seria necessária a nomeação de um perito para atestar a eficiência dos meios de rastreamento e dos aparelhos medidores e/ou dos métodos utilizados, bem como, os números e a duração dos telefonemas, o que não se mostra viável em sede de Juizado Especial. Depois, em caso de descumprimento da sentença, não se teria como converter a condenação em perdas e danos, como seria de rigor, porque seria impossível, em sede de Juizado Especial de Pequenas Causas, apurá-los e quantificá-los.

A inversão do ônus da prova, também deve ser visto como no julgado que segue:

"CONSUMIDOR. ÔNUS DA PROVA. A inversão do ônus da prova no mais das vezes não alcança a prova do prejuízo alegado pelo consumidor, pois conquanto a regra benéfica, não se vê de todo desvinculado da necessidade de provar os fatos constitutivos de seu direito. Inteligência do art. 6°, inc. VIII, do CDC. Recurso provido. (Processo n° 71000083220, 1ª Turma Recursal Cível, Rel. Dr. José Conrado de Souza Júnior, Novo Hamburgo, 11-05-2000, unânime)." [Revista do Consumidor Nº 28/29 - Abril / Agosto – 2000]

Como se vê, mesmo no sistema dos Juizados Especiais Cíveis, que confere ao juiz, ampla liberdade de iniciativa e de condução da instrução probatória, remanesce, para as partes, o encargo probatório, “segundo as regras do art. 333 do Código de Processo Civil (fatos constitutivos ou extintivos dos direitos), prepondera mesmo, como é natural, o princípio dispositivo cabendo às partes, em princípio, a iniciativa de propor os meios de prova de que disponham”.

Frente ao exposto, decidiria melhor o órgão uniformizador, que caso venha a ser criado pelo referido projeto de lei, para interpretar a legislação federal para os Juizados Especiais Estaduais,?

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