terça-feira, 18 de janeiro de 2011

A ALEGORIA DA CAVERNA (de PLATÃO) NOS DIAS ATUAIS



Por Luiz Carlos Nogueira

nogueirablog@gmail.com


Vamos inicialmente trazer ao leitor, a informação sobre “O Mito da Caverna”, também conhecido como “A Alegoria da Caverna” (alguns também chamam de Os Prisioneiros da Caverna ou de A parábola da caverna), que foi escrita pelo filósofo Platão e que pode ser lida no Livro VII da sua obra intitulada “A República”. Nessa alegoria Platão mostra como podemos nos libertar e sairmos da condição de escuridão (ignorância) que nos encontramos aprisionados, através da luz da verdade (conhecimento).


O que Platão expôs em “O Mito da Caverna”, trata-se de uma metáfora da condição humana perante o mundo, evidenciando a importância do conhecimento filosófico e da educação, porque são formas de superação da ignorância, que nos abre a possibilidade de sairmos do senso comum da visão de mundo, para a realidade da vida, de uma forma racional, sistematizada e organizada, que busca as respostas não pelo acaso.


Segundo essa metáfora, para Platão o processo para a obtenção da consciência abrange dois domínios, ou seja: o domínio das coisas sensíveis e o domínio das idéias, posto que, a realidade está no mundo das idéias, mas a maioria da humanidade vive na condição da ignorância, no mundo das coisas sensíveis, no grau da apreensão de imagens que são mutáveis e, por isso, não podem ser objetos de conhecimento.


Em algumas palavras a alegoria consistia do seguinte: Havia um muro muito alto que separava o mundo externo de uma caverna, na qual havia uma fresta por onde passava luz vinda de fora. No interior da caverna haviam seres humanos que nasceram e cresceram ali.


Esses habitantes da caverna ficavam de costas para a entrada, acorrentados, sem poder locomover-se, forçados a olhar somente para a parede do fundo da caverna, para onde eram projetadas sombras de outros homens que viviam do outro lado do muro e faziam fogueira durante a noite, além de produzirem ruídos e sons que também penetravam naquela “prisão”, de tal modo que os prisioneiros, associavam as imagens e os sons, julgando-os serem a realidade.



Assim, se imaginarmos que um dos prisioneiros conseguisse se libertar e, aos poucos fosse se movendo e acostumando seus olhos à luz; depois caminhasse na direção do muro, e não obstante as dificuldades e obstáculos encontrados, o escalasse, logo terminaria saindo completamente da caverna e descobrindo que não apenas as sombras e os sons eram produzidos por homens como eles, assim como também lhe descortinaria todo o mundo e a natureza.


Por conseguinte, segundo Platão, se ele decidisse voltar à caverna para explicar aos seus companheiros a situação de engano em que se encontram, correria graves riscos, por exemplo, como o de simplesmente ser ignorado, ou o pior, de ser agarrado e morto por eles, que o considerariam louco e mentiroso.


Tomando essa alegoria emprestada, Maurício de Souza adaptou-a numa versão moderna, utilizando-se dos seus desenhos em quadrinhos. O desenhista colocou nos quadrinhos uma situação quase idêntica, na qual três homens antigos se colocam a admirar as sombras das pessoas que passam na frente da caverna. Piteco é colocado como um filósofo que faz os homens saírem da caverna, para ver a luz e tudo que existe fora dela.


Ocorre, porém, que nos quadrinho do Maurício ele compara a metáfora de Platão com os dias atuais, em que as pessoas ficam presas às idéias pré-urdidas, achando que são as únicas realidades existentes, onde a TV funciona como o fundo da caverna; só que em vez de receber as imagens projetadas ela é que projeta nas mentes das pessoas, toda sorte de desinformações, banalidades, propagandas ideológicas subliminares, incitação ao consumo de bens supérfluos, ditando modas e costumes, músicas (se é que podemos chamar de músicas) com letras de baixarias, novelas com maus exemplos de comportamento social; enfim, de coisas que até diabo se incomoda ou tem nojo. Não existem muitos programas inteligentes que divertem e educam.


Como a adaptação e sátira da Alegoria da Caverna feita por Maurício de Souza é inteligente e magistral, merece ser vista. Para melhor visualizá-la o leitor poderá acessar este link: http://www.monica.com.br/comics/piteco/pag1.htm


Para conhecimento do leitor, segue o diálogo entre Sócrates e Glauco,
extraído de "A República" de Platão . 6° ed. Ed. Atena, 1956, p. 287-291):

SÓCRATES – Figura-te agora o estado da natureza humana, em relação à ciência e à ignorância, sob a forma alegórica que passo a fazer. Imagina os homens encerrados em morada subterrânea e cavernosa que dá entrada livre à luz em toda extensão. Aí, desde a infância, têm os homens o pescoço e as pernas presos de modo que permanecem imóveis e só vêem os objetos que lhes estão diante. Presos pelas cadeias, não podem voltar o rosto.


Atrás deles, a certa distância e altura, um fogo cuja luz os alumia; entre o fogo e os cativos imagina um caminho escarpado, ao longo do qual um pequeno muro parecido com os tabiques que os pelotiqueiros põem entre si e os espectadores para ocultar-lhes as molas dos bonecos maravilhosos que lhes exibem.


GLAUCO - Imagino tudo isso.


SÓCRATES - Supõe ainda homens que passam ao longo deste muro, com figuras e objetos que se elevam acima dele, figuras de homens e animais de toda a espécie, talhados em pedra ou madeira. Entre os que carregam tais objetos, uns se entretêm em conversa, outros guardam em silêncio.


GLAUCO - Similar quadro e não menos singulares cativos!


SÓCRATES - Pois são nossa imagem perfeita. Mas, dize-me: assim colocados, poderão ver de si mesmos e de seus companheiros algo mais que as sombras projetadas, à claridade do fogo, na parede que lhes fica fronteira?


GLAUCO - Não, uma vez que são forçados a ter imóveis a cabeça durante toda a vida.


SÓCRATES - E dos objetos que lhes ficam por detrás, poderão ver outra coisa que não as sombras?


GLAUCO - Não.


SÓCRATES - Ora, supondo-se que pudessem conversar, não te parece que, ao falar das sombras que vêem, lhes dariam os nomes que elas representam?


GLAUCO - Sem dúvida.


SÓRATES - E, se, no fundo da caverna, um eco lhes repetisse as palavras dos que passam, não julgariam certo que os sons fossem articulados pelas sombras dos objetos?


GLAUCO - Claro que sim.


SÓCRATES - Em suma, não creriam que houvesse nada de real e verdadeiro fora das figuras que desfilaram.


GLAUCO - Necessariamente.


SÓCRATES - Vejamos agora o que aconteceria, se se livrassem a um tempo das cadeias e

do erro em que laboravam. Imaginemos um destes cativos desatado, obrigado a levantar-se de repente, a volver a cabeça, a andar, a olhar firmemente para a luz. Não poderia fazer tudo isso sem grande pena; a luz, sobre ser-lhe dolorosa, o deslumbraria, impedindo-lhe de discernir os objetos cuja sombra antes via.


Que te parece agora que ele responderia a quem lhe dissesse que até então só havia visto fantasmas, porém que agora, mais perto da realidade e voltado para objetos mais reais, via com mais perfeição? Supõe agora que, apontando-lhe alguém as figuras que lhe desfilavam ante os olhos, o obrigasse a dizer o que eram. Não te parece que, na sua grande confusão, se persuadiria de que o que antes via era mais real e verdadeiro que os objetos ora contemplados?


GLAUCO - Sem dúvida nenhuma.


SÓCRATES - Obrigado a fitar o fogo, não desviaria os olhos doloridos para as sombras que poderia ver sem dor? Não as consideraria realmente mais visíveis que os objetos ora mostrados?


GLAUCO - Certamente.


SÓCRATES - Se o tirassem depois dali, fazendo-o subir pelo caminho áspero e escarpado, para só o liberar quando estivesse lá fora, à plena luz do sol, não é de crer que daria gritos lamentosos e brados de cólera? Chegando à luz do dia, olhos deslumbrados pelo esplendor ambiente, ser-lhe ia possível discernir os objetos que o comum dos homens tem por serem reais?


GLAUCO - A princípio nada veria.


SÓCRATES - Precisaria de algum tempo para se afazer à claridade da região superior. Primeiramente, só discerniria bem as sombras, depois, as imagens dos homens e outros seres refletidos nas águas; finalmente erguendo os olhos para a lua e as estrelas, contemplaria mais facilmente os astros da noite que o pleno resplendor do dia.


GLAUCO - Não há dúvida.


SÓCRATES - Mas, ao cabo de tudo, estaria, decerto, em estado de ver o próprio sol, primeiro refletido na água e nos outros objetos, depois visto em si mesmo e no seu próprio lugar, tal qual é.


GLAUCO - Fora de dúvida.


SÓCRATES - Refletindo depois sobre a natureza deste astro, compreenderia que é o que produz as estações e o ano, o que tudo governa no mundo visível e, de certo modo, a causa de tudo o que ele e seus companheiros viam na caverna.


GLAUCO - É claro que gradualmente chegaria a todas essas conclusões.


SÓCRATES - Recordando-se então de sua primeira morada, de seus companheiros de escravidão e da idéia que lá se tinha da sabedoria, não se daria os parabéns pela mudança sofrida, lamentando ao mesmo tempo a sorte dos que lá ficaram?


GLAUCO - Evidentemente.


SÓCRATES - Se na caverna houvesse elogios, honras e recompensas para quem melhor e mais prontamente distinguisse a sombra dos objetos, que se recordasse com mais precisão dos que precediam, seguiam ou marchavam juntos, sendo, por isso mesmo, o mais hábil em lhes predizer a aparição, cuidas que o homem de que falamos tivesse inveja dos que no cativeiro eram os mais poderosos e honrados? Não preferiria mil vezes, como o herói de Homero, levar a vida de um pobre lavrador e sofrer tudo no mundo a voltar às primeiras ilusões e viver a vida que antes vivia?


GLAUCO - Não há dúvida de que suportaria toda a espécie de sofrimentos de preferência a viver da maneira antiga.


SÓCRATES - Atenção ainda para este ponto. Supõe que nosso homem volte ainda para a caverna e vá assentar-se em seu primitivo lugar. Nesta passagem súbita da pura luz à obscuridade, não lhe ficariam os olhos como submersos em trevas?


GLAUCO - Certamente.


SÓCRATES - Se, enquanto tivesse a vista confusa -- porque bastante tempo se passaria antes que os olhos se afizessem de novo à obscuridade -- tivesse ele de dar opinião sobre as sombras e a este respeito entrasse em discussão com os companheiros ainda presos em cadeias, não é certo que os faria rir? Não lhe diriam que, por ter subido à região superior, cegara, que não valera a pena o esforço, e que assim, se alguém quisesse fazer com eles o mesmo e dar-lhes a liberdade, mereceria ser agarrado e morto?


GLAUCO - Por certo que o fariam.


SÓCRATES - Pois agora, meu caro GLAUCO, é só aplicar com toda a exatidão esta imagem da caverna a tudo o que antes havíamos dito. O antro subterrâneo é o mundo visível. O fogo que o ilumina é a luz do sol. O cativo que sobe à região superior e a contempla é a alma que se eleva ao mundo inteligível. Ou, antes, já que o queres saber, é este, pelo menos, o meu modo de pensar, que só Deus sabe se é verdadeiro. Quanto à mim, a coisa é como passo a dizer-te. Nos extremos limites do mundo inteligível está a idéia do bem, a qual só com muito esforço se pode conhecer, mas que, conhecida, se impõe à razão como causa universal de tudo o que é belo e bom, criadora da luz e do sol no mundo visível, autora da inteligência e da verdade no mundo invisível, e sobre a qual, por isso mesmo, cumpre ter os olhos fixos para agir com sabedoria nos negócios particulares e públicos.


Outra fonte com os quadrinhos do Maurício: http://oqueemeuenosso.blogspot.com/2009/11/piteco-e-o-mito-da-caverna.html

Um comentário:

  1. Parabéns colega!!!
    Continue exercendo o exercício da escrita, para o nosso deleito.
    tfa
    Jalopes

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