segunda-feira, 10 de janeiro de 2011

"Algumas pessoas, já potencialmente delinquentes, tornam-se advogados e se valem desse ministério público para o cometimento de crimes."

03/01/2011 12h55 - Jurídicas


Juiz Federal Odilon de Oliveira

FATO NOTÓRIO: Dr. Odilon, o senhor é conhecido nacionalmente por combater a criminalidade e o crime organizado, com condenações de criminosos de alto coturno. Conte sua trajetória de vida até chegar à magistratura federal e conquistar notoriedade nacional.
ODILON DE OLIVEIRA: Nasci em 26.02.1949, em Exu-PE. Meus pais foram pequenos lavradores durante toda a vida. Meu avô paterno era vaqueiro. Meus avós maternos eram lavradores. Aos quatro anos, em 1953, saímos de Pernambuco com destino a Mato Grosso, para participar da colonização daquele Estado. Meu pai formava uma família com doze irmãos. Alguns já se encontravam em São Paulo. Os demais, em torno de seis, vieram conosco de Pernambuco. O Governador do Estado, na época, João Ponce de Arruda, tinha interesse na imigração de nordestinos e, portanto, custeou todas as despesas com passagens. Todo mundo foi assentado em pequenos lotes rurais, na região onde hoje é o Município de Jaciara-MT. Havia uma companhia, de Presidente Prudente-SP, chamada CIPA, que era responsável, perante o governo estadual, pela colonização daquela região. Cada irmão adquiriu pequena área de terras, em torno de doze hectares. A viagem durou 15 dias. Até São Paulo, viajamos de pau-de-arara. De lá até Campo Grande, a viagem foi de trem. De Campo Grande a Jaciara, viajamos na carroceria de um caminhão. Não havia asfalto. Em Campo Grande, sem dinheiro, o grupo todo passou uma noite fria debaixo da marquise do Hotel Gaspar, que acabara de ser inaugurado. Eu e mais três irmãos fomos alfabetizados ali, na roça, em torno de uma mesa de madeira, após um dia inteiro trabalhando na roça. Aos 17 anos, deixei a roça e fui estudar numa escola do governo federal, situada em São Vicente, Município de Cuiabá-MT. Tratava-se de uma escola agrícola, edificada numa fazenda de 5.000 hectares. O aluno recebia de tudo: cama, mesa, uniforme e estudos. Em contrapartida, trabalhava nas várias atividades da escola: agricultura, pocilga, apiário, aviário, pecuária etc. Isto era uma espécie de salário (in natura), tanto que os ex-alunos podem contar o período de estudo como tempo de serviço, para fins de aposentadoria. Depois, saí da escola agrícola e fui trabalhar num hotel, fazendo serviços gerais (servindo a hóspedes, fazendo faxinas, cortando lenha etc). Estudava à noite. Meus pais, chefes de uma prole de oito irmãos, eram pobres. Não podiam pagar estudos para nenhum filho. Em 1968, vim servir ao Exército em Campo Grande-MS. Em 1970, já tendo deixado o Exército e voltado para Jaciara, lá fiz o curso normal. Em 1973, ingressei na Faculdade de Direito, em Campo Grande, formando-me em 1977. Para custear os estudos, dava aulas em Sidrolândia-MS, durante o dia. Pegava o ônibus às 05:00 horas e retorna à tardinha, indo direto para a faculdade. Em 1980, por concurso, tornei-me procurador autárquico federal. Em 1982, por concurso, tornei-me promotor de justiça. Em 1983, por concurso, tornei-me juiz de direito. Em 1987, assumi o cargo de juiz federal, exercendo minhas funções em Mato Grosso, Rondônia e Mato Grosso do Sul.

FATO NOTÓRIO: O senhor atuou de forma enérgica na região fronteiriça Brasil - Paraguai, e lá condenou criminosos tidos como “intocáveis”. Como foi esse período na fronteira?
ODILON DE OLIVEIRA: Fiquei durante uns treze meses na fronteira. Conheci muitas autoridades do Paraguai, relacionadas ao combate das drogas, dentre elas o então governador e hoje senador Robert Acevedo, profundamente empenhado na luta contra o tráfico. Como represália, é obrigado a andar escoltado e, ainda em 2010, sofreu um atentado. Foi um período de glória para a justiça federal. O relacionamento estabelecido com autoridades do Paraguai e também dos Estados Unidos (DEA) foi muito bom. Consegui extraditar entre 10 e 15 grandes traficantes brasileiros radicados naquele país. Condenei muitos intocáveis.

FATO NOTÓRIO: Neste período a imprensa nacional registrou que o senhor se tornou um ‘preso’ no quartel do Exército de Ponta Porã, pois era a única forma de estar em segurança. Aquela vida de reclusão que o senhor foi obrigado a enfrentar não coloca em xeque à justiça? Como o senhor se sentia enfrentando aquela situação?
ODILON DE OLIVEIRA: Achava muito bom, pois fazia o que gostava. Isto era o suficiente. Havia muito risco. O Exército e a polícia federal me davam segurança. O que colocaria em xeque a justiça seria a leniência do magistrado diante do crime organizado, mas isto nunca ocorreu. Todavia, muitos juízes criminais correm risco.

FATO NOTÓRIO: O fato de o Brasil ter fronteira seca com vários países contribui efetivamente para entrada de drogas e armas no país, gerando lucros altíssimos às organizações criminosas. Esses delitos, antecedem à lavagem de dinheiro. Como o senhor avalia essa situação?
ODILON DE OLIVEIRA: O Brasil tem uma fronteira seca de 16.000 km e mais 8.800 km pelo Oceano Atlântico. Faz divisa com os três maiores produtores mundiais de cocaína (Colômbia, Peru e Bolívia). A fronteira, pelo tamanho que é, dá passagem livremente ao bem e ao mal, por ela passando drogas, armas, contrabando e pirataria. Esses delitos geram uma economia paralela muito grande. Obviamente, os delinqüentes lavam esse dinheiro para colocá-lo no mercado legal. Campo Grande tem uma vara especializada em lavagem de dinheiro e crimes financeiros, da qual sou titular, com jurisdição sobre todo o Estado. Cada unidade da Federação possui uma vara dessas, todas fazendo parte de uma estratégia internacional de combate à lavagem de dinheiro proveniente de corrupção, tráfico de drogas e outros delitos de natureza econômica.

FATO NOTÓRIO: No último mês o Rio de Janeiro sofreu com ataques do crime organizado. Em resposta o governo estadual solicitou ajuda ao Governo Federal, o que foi prontamente atendido. Como o senhor avalia a união de forças (Governo Estadual e Governo Federal) no combate ao crime organizado?
ODILON DE OLIVEIRA: Pelo menos há dez anos, venho defendendo a participação das Forças Armadas no combate ao tráfico internacional de drogas. Logicamente, essas Forças teriam uma atuação mais ou menos compatível com sua formação. Atuariam na fronteira. No Rio de Janeiro, se não fosse o apoio das Forças Armadas, a polícia estadual não teria subido no morro do Alemão. O tráfico de drogas se tornou um crime transnacional. Existe um trinômio nesse cenário: países produtores, de trânsito e consumidores. A Colômbia, o Peru e a Bolívia são praticamente os únicos produtores de cocaína do mundo. O Brasil e alguns outros países são de trânsito e consumidores. A Europa e a América do Norte estão classificadas como consumidoras de cocaína. E de outras drogas também. O combate, portanto, depende de uma atuação integrada por todos os países envolvidos com o fenômeno. O Rio de Janeiro não terá sossego enquanto não houver corte de suprimento de drogas e de armas na linha de fronteira.

FATO NOTÓRIO: Os criminosos do Rio de Janeiro justificaram os atentados à criação das UPPs nas comunidades (unidade de policia pacificadora), que os obrigaram a se refugiar na Vila Cruzeiro. Em sua opinião a criação dessas unidades é válida para o combate do crime organizado?
ODILON DE OLIVEIRA: Sim, mas, sozinhas, não serão suficientes. Elas representam apenas uma pequena parte das políticas públicas com as quais o Estado do Rio de Janeiro, com o auxílio da União Federal, está em débito. A ausência do Poder Pública nos morros do Rio de Janeiro se prolongou durante muito tempo, criando uma situação cuja reversão será feita com muita dificuldade.

FATO NOTÓRIO: As ordens dos ataques no Rio de Janeiro teriam sido dadas por chefes do tráfico reclusos nos presídios federais de segurança máxima. Até que ponto esse presídios, tidos como de segurança máxima, são realmente seguros? E como isso acontece e, ainda, como essas falhas poderiam ser evitadas?
ODILON DE OLIVEIRA: Os presídios federais brasileiros são tão seguros quanto às prisões de segurança máxima dos Estados Unidos. Nenhum preso, por mais astucioso que seja, conseguirá fugir de uma penitenciária federal. O problema é que a legislação garante aos presos alguns direitos. Dentre esses direitos, quatro deles servem de canais de comunicação com o mundo exterior e, portanto, com a organização criminosa respectiva. São eles: a) visita íntima; b) visitas comuns; c) entrevista com advogados; d) remessa e recebimento de correspondências. Isto faz parte da ressocialização do preso. Para se evitar o contato com as organizações, devem ser adotadas as seguintes medidas: a) extinção de visita íntima; b) censura de correspondências; c) escuta ambiental de visitas comuns; d) escuta ambiental nos parlatórios, locais onde advogados conversam com seus clientes. Um ou outro advogado faz uso da profissão servindo à criminalidade, enquanto a grande maioria é honesta.

FATO NOTÓRIO: Escutas telefônicas dão indícios que advogados do traficante Marcinho VP, um dos chefes da facção criminosa comando vermelho (CV), transmitiram ordens para ataques terroristas contra policiais e veículos no Rio de Janeiro. Em razão dos indícios os advogados tiveram suas prisões decretadas pelo juiz da 1ª Vara Criminal de Bangu, Alexandre Abrahão Dias Teixeira. Como o senhor avalia essa atuação de advogados que atuam como “pombo correio” dessas células criminosas?
ODILON DE OLIVEIRA: Isto ocorreu também em 2006, quando o PCC praticou mais de mil atentados, principalmente no Estado de São Paulo. Os advogados são essenciais à administração da justiça. Todavia, algumas pessoas, já potencialmente delinquentes, tornam-se advogados e se valem desse ministério público para o cometimento de crimes. Felizmente, são pouquíssimos, mas suas ações refletem sobre a categoria. Sou plenamente favorável à realização de escuta ambiental nos parlatórios. A comunicação do preso com o mundo exterior pode gerar duas conseqüências graves para sociedade: a) contatos e administração da organização criminosa; b) risco de seqüestros de autoridades ou de parentes para a troca por chefes de organizações. Este último é o maior perigo, porque é impossível o sujeito sair de uma penitenciária federal sem que seja por ordem judicial ou mediante esse tipo de atitude. O preso condenado a dezenas de anos de prisão não vê outra saída para ganhar liberdade. Como juiz criminal experiente e ex-corregedor da penitenciária federal de Campo Grande-MS, registro este alerta às autoridades. Se isto vier a acontecer, e já foram frustrados alguns planos, a situação ficará incontrolável.

FATO NOTÓRIO: O Senado Federal aprovou, após dois anos, o novo Código de Processo Penal. O senhor acha que o novo CPP tornará os procedimentos mais céleres? Em sua visão, o novo código é um avanço?
ODILON DE OLIVEIRA: Não haverá celeridade. Pelo contrário, algumas inovações atrasarão os processos envolvendo organizações criminosas. Um exemplo é o juiz das garantias, que atuará apenas durante as investigações policiais e ficará impedido para o processo. Quando se trata de crime organizado, normalmente são necessárias várias medidas para o impulso das investigações: monitoramente telefônico e telemático, quebra de sigilo bancário, quebra de sigilo fiscal, prisão temporária, busca e apreensão, sequestro de bens etc. Nos casos simples, normalmente não há necessidades dessas medidas. A grande maioria das quase 3.000 comarcas brasileiras é de primeira entrância, possuindo apenas um juiz. Muitas delas são até de difícil acesso. Encerrado o inquérito, terá que comparecer um juiz de outra comarca, que deixará seus processos. Poderá se deslocar algumas ou várias vezes para audiências. Isto, além de gerar gastos para os cofres da União ou dos Estados, acarretará atraso no andamento desses grandes processos. No frigir dos ovos, a criminalidade organizada sairá ganhando. Haverá prescrição e, por fim, impunidade.

FATO NOTÓRIO: Até recentemente estava no presídio federal do estado de Mato Grosso do Sul aquele que é considerado o maior e mais perigoso traficante do Brasil, Luiz Fernando da Costa, cumprindo pena no regime disciplinar diferenciado. A imprensa nacional divulgou que o senhor teria indeferido alguns de seus pedidos, como o de cursar direito e receber mortadela de seus visitantes. Isso é verdade? Por quais motivos?
ODILON DE OLIVEIRA: É verdade. Penso que, em prisão federal, onde a permanência não é muito longa e a segurança deve ser extremamente rígida, não se deve permitir que o preso faça curso superior. A instrução fundamental deve haver. Receber alimentação especial, nem pensar. Numa prisão, todos devem ser tratados com absoluta igualdade. O preso de estabelecimento federal deve entrar nu e sair despido, desprovido de qualquer objeto pessoal. Cortei o envio e o recebimento de cartas, mas o Tribunal restabeleceu esse direito. Ordenei que esse preso só recebesse visitas no parlatório, onde um vidro à prova de balas separa o interno e suas visitas. O Tribunal mudou tudo.

FATO NOTÓRIO: A faixa de fronteira no Brasil é muita extensa. Na ótica do senhor qual o caminho mais adequado para evitar a entrada de drogas e armas no território nacional?
ODILON DE OLIVEIRA: São muitas as medidas. A primeira delas consiste numa efetiva cooperação entre o Brasil e os países produtores de drogas ou de passagem de entorpecentes e armas. É praticamente existente essa cooperação em relação à Bolívia e à Colômbia. A melhor integração é com o Paraguai, segundo maior produtor mundial de maconha e corredor de parte da cocaína que vem da Colômbia. O contingente da polícia federal deve ser aumentado na faixa de fronteira e os policiais devem receber um incentivo, ou seja, um adicional em seus salários. As Forças Armadas também devem atuar, realizando um trabalho compatível com a formação de seus integrantes.

FATO NOTÓRIO: O senhor vê um avanço no combate ao crime organizado no país, bem como na política de segurança pública?
ODILON DE OLIVEIRA: Não. O que vejo é um avanço da criminalidade, principalmente o narcotráfico. Em 2000, o Brasil tinha 170 milhões de habitantes e 233 mil presos, na proporção de 01 detento para um grupo de 730 habitantes. Em 2010, a população chegou com um aumento de 12%, mas a criminalidade cresceu, no mesmo período, 112%, de modo que a proporção passou de 01 preso para 388 pessoas. No tráfico, a situação foi pior. Em 2006, quando entrou em vigor a Lei 11.343/06, que descriminalizou o uso, a população era de 188 milhões de habitantes e chegou em 2010 com um crescimento de apenas 2%. Naquele ano, existiam 45 mil presos por tráfico, pulando, em 2010, para 105.500 presos, o que representa um aumento de 134%. Todavia, tem havido alguns avanços. Um deles é o projeto VANT (Veículo Aéreo não Tripulado), cuja finalidade será o monitoramento das fronteiras, acompanhando veículos, aeronaves e colhendo coordenadas geográficas. Em terra, são recebidas informações em tempo real, o que permitirá uma abordagem precisa.

FATO NOTÓRIO: No início de 2010 houve muitos comentários no Estado de Mato Grosso do Sul que o senhor seria candidato nas eleições. O senhor já pensou em disputar um mandato eletivo? Em caso de resposta afirmativa, qual cargo e quais metas o senhor buscaria cumpri-las?
ODILON DE OLIVEIRA: Fui convidado por alguns partidos para disputar qualquer cargo. Já pensei em me aposentar e entrar na vida política. Penso que meu perfil seria mais para o Senado. As metas seriam várias, destacando-se: a) endurecimento da legislação contra o crime organizado, melhorando, assim, a segurança pública; b) melhoria no sistema público de saúde, que é uma calamidade; c) educação para todos.

Fonte: Fato Notório-Jurídico – Clique aqui para conferir.

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