quarta-feira, 10 de agosto de 2011

PLANTE, QUE A LEI GARANTE

Plante, que a lei garante

Engana-se quem pensa que só na Holanda é possível cultivar maconha em apartamento — no Brasil, a lei não só permite isso como também transformou o SUS numa fábrica de drogados-bomba

José Maria e Silva


A se crer no sociólogo e ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, as drogas são o maior tabu da sociedade brasileira, um interdito moral sussurrado pelos cantos que deliciaria a psicanálise, a ciência das alcovas criada por Freud. Desde que deixou a presidência da República, FHC virou uma espécie de Marcelo D2 sênior. A diferença é que o líder da extinta banda Planet Hemp, que usava a imagem de criancinhas para fazer propaganda da maconha, ao menos teve alguns problemas com a Polícia Federal, enquanto Fernando Henrique — justamente devido à apologia que passou a fazer das drogas — goza hoje de uma unanimidade que jamais teve.



Sim, Fernando Henrique Cardoso faz apologia das drogas, ainda que sem querer. Quando repisa que a questão das drogas é um tabu e aceitou ser estrela de um documentário que pensa a mesma coisa (o “Quebrando o Tabu”, do diretor Fernando Groisten Andrade), o ex-presidente só pode estar se referindo ao uso de drogas, pois que outro tabu ainda precisa ser quebrado em relação a elas, senão o justificado medo que acomete os pais quando desconfiam que o filho pode estar fumando maconha ou se viciando em crack?



Desde a década de 90, as drogas são uma discussão mono-maníaca em escolas, universidades e meios de comunicação, dominando por inteiro o universo dos jovens ao lado do sexo, da Aids e da violência. E toda essa nefasta cantilena sobre sexo, drogas e violência — que termina por naturalizar a brutalidade, obstruindo outros anseios dos jovens — só foi possível porque se acredita, hegemonicamente, que repressão não resolve e que informar é solução para tudo. Prova disso é que as duas maiores revistas de divulgação científica para jovens do país, a “Superinteressante” e a “Galileu”, sempre discutiram o tema e, no caso da revista da Abril, até mesmo com capa simpática à maconha.


Tolerância legal



Mas a inexistência de tabu em relação às drogas não se limita a discussões acadêmicas ou mediáticas. A própria legislação brasileira já legalizou, na prática, o consumo de drogas, ao acabar com qualquer espécie de punição para o usuário. Desde o governo Lula, a expressão “combate às drogas” já nem existe mais nos documentos do governo federal. Apesar de ainda ter escapado a expressão “Conselho Nacional Antidrogas” no artigo 4º, inciso XI, da Lei 11.343, de 23 de agosto de 2006, a guerra às drogas está descartada, pois a própria ementa desta lei institui o “Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas” e não de “combate às drogas”.



No reino petista, para gáudio de Fernando Henrique (pai bastardo de Lula), tudo o que se refere a droga vem enrolado no manto sagrado das “políticas públicas” — uma expressão cara aos intelectuais. Dessa forma, mesmo preservando a sigla Conad (já que a lei continuou falando em Conselho Nacional Antidrogas, provavelmente por descuido), o governo Lula passou a chamá-lo oficialmente de Conselho Nacional de Políticas sobre Drogas. Ligado ao Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República, o órgão tem por finalidade a redução da demanda, dos danos e da oferta de drogas no país. Em outras palavras, oficializou a chamada “redução de danos” — dogma forjado nas universidades.



Para os defensores da política de redução de danos, o uso de drogas não é um problema moral, muito menos criminal e, sim, uma questão de saúde pública. Trata-se de uma esquizofrênica mistura de Karl Marx com Milton Friedman, em que se somam os equívocos de um socialismo individualista (à moda Lula) e de um liberalismo canhoto (à moda FHC), que, a exemplo da jabuticaba, só existem no Brasil. De acordo com essa política, o indivíduo deve ser absolutamente livre para usar a droga que quiser, já o Estado é totalmente obrigado a cuidar das consequências desse vício, começando por ser babá do próprio usuário. Aos prazeres, tudo; aos deveres, nada — e o Estado paga a conta.


Maconha na janela



A Marcha da Maconha, a exemplo da Parada Gay e da Marcha das Vadias, entre outras marchas do gênero, faz de conta que vivemos num Estado repressor, em que o uso de drogas, a prática homossexual e a liberdade das mulheres são violentamente perseguidas pela lei, pela polícia e pelas próprias famílias. É como se o mundo estivesse na Era Vitoriana e o Brasil fosse um enclave ainda mais retrógrado desse passado, teimando em vigiar e punir os indivíduos, que precisariam sair às ruas esgoelando direitos, como eternos estudantes das barricadas de Paris. Mas a realidade é bem outra. Vivemos a Era da Permissividade, em que até a imaginação perdeu o poder, dando lugar à irresponsabilidade.



A Lei 11.343, que completa cinco anos em 23 de agosto próximo, é uma prova disso. Na prática, ela descriminaliza o consumo de drogas ao estabelecer como únicas penalidades para o usuário a advertência sobre os efeitos das drogas, a prestação de serviços à comunidade e o comparecimento a programa educativo. Essas medidas só podem ser aplicadas pelo juiz por um prazo máximo de cinco meses, renováveis por mais cinco em caso de reincidência. Se o usuário for muito renitente, o juiz pode agravar a punição. De que jeito? Com uma “admoestação verbal” e multa. Mas todas essas penalidades, que jamais envolvem prisão, é bom lembrar, prescrevem em apenas dois anos.



E não se limita a isso a liberalidade da lei. No mesmo artigo 28 em que constam as risíveis penalidades acima, o parágrafo 1º estabelece: “Às mesmas medidas submete-se quem, para seu consumo pessoal, semeia, cultiva ou colhe plantas destinadas à preparação de pequena quantidade de substância ou produto capaz de causar dependência física ou psíquica”. Ou seja, quem quiser fazer de Goiânia uma Amsterdã, cultivando na janela seu pezinho de maconha para consumo próprio, não sofrerá penalidade alguma, a não ser as advertências e outras platitudes previstas na lei. Portanto, plante que a lei garante — e isso há cinco anos, sem que Fernando Henrique Cardoso e o Supremo Tribunal Federal percebam.


Cacrolândia é projeto-piloto



Ao dizer que a nova legislação sobre drogas garante o plantio de maconha (e até de papoula, para a produção de heroína) não estou forçando a letra da lei. A ausência de penalidade para o consumo de drogas e o apoio oficial — inclusive financeiro — a entidades que praticam a política de redução de danos confluem para que o próprio plantio da maconha se torne livre na prática. Afinal, os militantes da liberação das drogas no Brasil são todos ligados aos movimentos de esquerda e, quando defendem a legalização da maconha, estão pensando, romanticamente, em produção artesanal da erva, uma espécie de agricultura familiar do vício para se contrapor à economia de escala do traficante.



Ao tratar do usuário, a Lei 11.343 diz, no artigo 28, parágrafo 2º, que o juiz, para determinar se a droga destinava-se a consumo pessoal, “atenderá à natureza e à quantidade da substância apreendida, ao local e às condições em que se desenvolveu a ação, às circunstâncias sociais e pessoais, bem como à conduta e aos antecedentes do agente”. Não há nenhuma palavra quanto ao destino a ser dado à plantação para uso pessoal de drogas, a não ser que — com muita elasticidade linguística — a expressão “substância apreendida” seja interpretada como sendo não apenas a droga já processada, mas também a planta que lhe deu origem. Todavia, o próprio texto da lei não autoriza essa leitura, pois o parágrafo 1º, já citado, diferencia uma da outra ao falar em “plantas destinadas à preparação de pequena quantidade de substância”.



A possibilidade de que, no caso do consumo pessoal, a lei autorize a apreensão apenas da substância, deixando intacta a planta, é reforçada pelo capítulo da lei que trata do tráfico de drogas. O artigo 32 deixa claro que “as plantações ilícitas serão imediatamente destruídas pelas autoridades de polícia judiciária”. E especifica que a droga tem de ser incinerada, no prazo máximo de 30 dias, evidenciando o caráter delituoso do plantio destinado ao tráfico. O que já não ocorre com o capítulo que trata do usuário e do dependente, em que a preocupação maior do legislador foi garantir que eles, de forma alguma, sejam presos, um sinal de que o consumo de drogas deixou de ser tratado como crime.


Bocas-de-fumo oficiais



Aliás, o psiquiatra Ronaldo Laranjeira, professor da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo), considerado uma das maiores autoridades em dependência química do país, reconhece isso. Em suas entrevistas à imprensa, ele vem afirmando (quase solitariamente) que a Marcha da Maconha não passa de um “jogo de cena”, pois a atual legislação já descriminalizou o usuário de drogas há cinco anos. Em recente entrevista à Rádio Cultura FM de São Paulo, para tristeza do jornalista tucano-petista Alexandre Machado (que pensa como Fernando Henrique Cardoso), Laranjeira chegou a afirmar que a chamada Cracolândia, em São Paulo, já é uma experiência ao vivo de legalização das drogas, garantida pela própria polícia, que se limita a observar e até proteger os usuários de crack enquanto eles fazem uso da droga. Ou seja, a Cacrolândia é uma espécie de projeto-piloto de legalização das drogas, mantido pelo próprio poder público.



Em parte, isso se deve ao fato de que o craqueiro é o “menor” da pós-modernidade. Se o Estatuto da Criança e do Adolescente estimulou o surgimento de uma profusão de ONGs voltadas para os menores de rua, chegando ao ponto de termos mais ONGs que menores, hoje, a política de descriminalização das drogas está fazendo o mesmo com os usuários de crack. Como essa droga animaliza e imbeciliza seus usuários, transformando a maioria em verdadeiros zumbis, as ONGs descobriram um verdadeiro filão: os “menores adultos”, mentalmente incapazes devido à ação do crack. E uma mão lava a outra: as ONGs adotam os viciados em crack e, ao mesmo tempo (viciadas que são em Estado), elas se deixam adotar pelo governo. Cai bem uma verbinha na conta; afinal, só verborragia marxista não enche barriga de acadêmico ongueiro.



Na véspera do primeiro turno das eleições de 2010, o então presidente Lula anunciou que o governo federal iria investir R$ 410 milhões na implantação do Programa Consultórios de Rua para viciados em crack. O “consultório de rua”, voltado para a redução de danos, nasceu na Bahia, na década de 1990 (devidamente importado da França) e, depois de virar dissertação de mestrado, caiu nas graças do Ministério da Saúde, que resolveu espalhá-lo por todo o país. As prefeituras selecionam as ONGs locais, e o governo federal entra com o financiamento. O governo petista pode até não ter investido no programa o que Lula anunciou na campanha (quando brigava com José Serra para ver quem seria o pai dos craqueiros), mas sem dúvida, está gastando muito com os “consultórios de rua” — que não passam de bocas de fumo oficiais.


Uma quase bolsa-tráfico



Uma das ONGs especializadas em adotar os menores adultos do crack é o Centro de Convivência É de Lei, criado em 1999 e que atua na Cacrolândia desde 2004. Como se vê pelo próprio nome da entidade, ela também tenta fazer poesia com as drogas, a exemplo dos demais grupos do gênero, como o Dínamo, de São Paulo, o Princípio Ativo, de Porto Alegre, e o Psicotropicus, do Rio de Janeiro, entre dezenas de outros. O metalinguístico nome da ONG É de Lei nasceu do fato de que a entidade começou distribuindo cachimbos de madeira aos viciados, para que eles não ferissem a boca com os cachimbos improvisados de metal. Só em 2008, segundo reportagem do Último Segundo, a entidade — com o apoio de verbas oficiais — fez 1.797 atendimentos de campo e distribuiu 2.358 protetores labiais e 1.332 piteiras. (Reparem que não distribuíram cachimbos.)



Graças a isso, virou modelo da política de redução de danos, merecendo várias reportagens na imprensa e o apoio do Ministério da Saúde, além de ter-se tornado um “Ponto de Cultura” do Ministério da Cultura. Mas até a prática que lhe deu vida — a distribuição dos cachimbos de madeira, considerados pela própria ONG seu “cartão de visitas” na Cracolândia — fracassou desde o início e a entidade parou de distribuí-los. E parou devido às reclamações dos próprios usuários. “Eles se queixavam que a madeira dificultava a rapagem da ‘borra’, resíduo da droga que fica nas paredes do cachimbo” — conta uma laudatória reportagem da Agência Brasil (órgão de imprensa do governo federal), publicada em 22 de julho de 2009.



A reportagem do Último Segundo também mostra que os viciados da Cacrolândia vendem o que ganham do governo por meio das ONGs para comprar pedra de crack. Desde cobertores e marmitas até camisinhas. Na reportagem, o próprio psicólogo da ONG É de Lei, Thiago Calil, reconhece isso, admitindo que os preservativos que distribuem — com o apoio oficial e financeiro do Ministério da Saúde — “também podem acabar servindo de moeda de troca nos comércios que ocorrem nas ruas da Cracolândia”. Como se vê, a política de redução de danos não consegue fazer o usuário de crack desperdiçar nem uma ínfima borrinha da droga e ainda financia sua compra através de donativos oficiais (quase uma bolsa-tráfico), mesmo assim, o consórcio tucano-petista de legalização das drogas, agora estrelado por FHC, acha que a redução de danos é um sucesso.


Fábricas de drogados-bomba



Essa sociedade entre governo e tráfico, via ONGs, vai ainda mais longe. Outra reportagem laudatória sobre a ONG É de Lei, desta vez da revista “Carta Capital” de 8 de outubro de 2010, traz fatos ainda mais graves. A reportagem relata o caso de um viciado da Cracolândia, identificado como Valter, que, quando não consegue mais suportar a abstinência de crack, tranca-se em hotéis baratos do centro de São Paulo e fuma várias pedras em sequência, acompanhadas de cachaça. Ele disse à reportagem que dinheiro para a droga não é problema, pois tem um primo traficante que lhe fornece 60 pedras. Sua missão é vender 40 pedras e entregar o dinheiro para o primo atacadista. As outras 20 ele pode fumar — é a comissão por seu trabalho de camelô das drogas.


Entretanto, mesmo plenamente ativo no vício e no tráfico, já tendo sido preso por roubo, Valter, na época da reportagem, estava em tratamento numa das clínicas abertas do SUS, chamadas Caps (Centro de Atenção Psicossocial de Álcool e Drogas), e também era frequentador assíduo do centro de convivência da ONG É de Lei, vendo filmes e participando de debates e oficinas com outros viciados. Era atendido por psiquiatras, psicólogos e assistentes sociais e tomava antidepressivos e medicamentos para reduzir as sensações de abstinência. Fazia tudo isso ao mesmo tempo em que tinha reca-ídas e — depois de traficar crack — trancava-se em hotéis para fumar 20 pedras e beber cachaça. E lembrem-se: esse verdadeiro coquetel humano de crack, cachaça e antidepressivos estava em “tratamento” no SUS e na ONG É de Lei, numa prova de que a política de redução de danos não passa de uma fábrica de drogados-bomba, que põe em risco a vida de inocentes.



A exemplo da maioria dos viciados que são atendidos pelos ongueiros da redução de danos, esse Valter da matéria de “Carta Capital” é um traficante, mas, de acordo com a nova lei sobre drogas, ele não passa de um consumidor em tratamento, logo não pode ser penalizado. Por isso, afirmo que não só o uso, mas até o plantio de maconha para consumo pessoal já foram legalizados no Brasil. Quanto um juiz resolve punir um usuário de drogas, ele só tem uma opção — encaminhá-lo para o processo de reeducação previsto na lei. E quem faz legalmente esse trabalho no galinheiro das drogas? As raposas da política de redução de danos. E elas estão mais preocupadas em garantir que o viciado aproveite a droga ao máximo do que em tirá-lo das ruas. Afinal, se ele sair das ruas, essas ONGs tão poéticas perdem sua razão de ser.


A suprema ditadura das massas



Diante desses fatos, qual o sentido dessa cruzada de Fernando Henrique Cardoso, que, aos 80 anos, está sendo usado como garoto-propaganda da maconha? Se o uso de drogas já foi descriminalizado há cinco anos, a ponto de se permitir a existência de Cracolândias em todas as grandes cidades, qual a razão de se promover a Marcha da Maconha, senão para fazer a apologia explícita das drogas, especialmente da erva, aliciando adolescentes e jovens para seu consumo? Só os ministros do Supremo Tribunal Federal — que se comportam como adolescentes deslumbrados do Maio de 68 — é que veem na Marcha da Maconha uma mera liberdade de expressão.



Ao votar a favor da marcha, a ministra Ellen Gracie, num ápice de deslumbramento infanto-juvenil, chegou a dizer que adora ver o povo nas ruas, em carnaval, passeatas etc. Sua fala revela uma opção ideológica de repulsa à consciência individual, pois quem vive em marchas não é um indivíduo, mas um homem-massa despersonalizado, tão bem descrito por Ortega y Gasset. Ditaduras como as de Lênin, Hitler, Mao, Fidel e Chávez é que gostam de povo nas ruas. Uma sociedade verdadeiramente democrática é constituída por indivíduos autônomos — não autômatos — e não perde tempo com falsos profetas, que só pensam no povo como massa de manobra.



Comparar a Marcha da Maconha com as entrevistas e debates de Fernando Henrique Cardoso, como fez a procuradora geral da República que sustentou sua liberação junto ao Supremo, é um completo despautério. Por acaso, o ser humano pensa com os pés? É possível marchar debatendo, argumentando, exercitando a maiêutica socrática? Quando o exército vencedor marcha sobre a cidade derrotada, ele está argumentando com o inimigo? São os pés que marcham, não a cabeça. O povo marcha é como rebanho tangido à emoção bruta, repetindo palavras de ordem ditadas por líderes manipuladores, e não elaborando e refutando argumentos lógicos. Daí a predisposição das marchas para o quebra-quebra.



Logo, é um absurdo o Supremo confundir marcha com debate e liberar a Marcha da Maconha sob o pretexto da liberdade de expressão. Poderia até ter encontrado outro argumento para liberá-la, mas jamais esse. Sem contar que o Supremo não agiu em defesa da liberdade de expressão individual, como alega, mas em favor da palavra de ordem coletiva — princípio motor do comunismo, fascismo, nazismo e outras ditaduras de massa. Tenho certeza que uma marcha que parecesse politicamente incorreta — como uma manifestação contra os privilégios gays — seria proibida pelos ministros, mesmo sem haver lei definindo o crime de homofobia.



E o mais espantoso é que essa decisão foi por unanimidade dos ministros presentes, o que me faz pensar que o Supremo está virando uma espécie de “BBB” de toga. Como suas decisões são monitoradas ao vivo pela TV Justiça, os ministros, mesmo sem querer, estão deixando de ser juízes-pessoas, com as dúvidas e angústias de qualquer ser humano, para se tornarem juízes-atores, que pensam como se estivessem legendando a própria imagem na tela: Ayres Neto é o juiz-poeta; Joaquim Barbosa é o juiz-povão; Celso Mello é o juiz-técnico; Marco Aurélio é o juiz-ultraliberal; Ellen Gracie é a juíza-mulher; Gilmar Mendes é o desmancha-prazeres. E por aí vai.


Sistema “S” dos viciados



Apesar de ter insistido que a liberação da Marcha da Maconha não significa, de forma alguma, a liberação do uso da droga, o Supremo Tribunal Federal escancarou de vez a caixa de Pandora, que já tinha sido aberta com a aprovação da união consensual dos gays. A Marcha da Maconha é apenas um disfarce. O propósito inequívoco de seus promotores é a liberação de todas as drogas, não só da cocaína, mas também do crack. Ocorre que não seria de bom tom fazerem a Marcha da Cocaína ou a Marcha do Crack, então, se limitam a cantar loas à maconha, uma droga mais leve. E, uma vez obtida a liberação das drogas, partirão para a segunda etapa: a total responsabilização do Estado para cuidar das consequências do vício.



O sujeito se encheu voluntariamente de maconha, cocaína, merla e crack e está destruído? Dever exclusivo do Estado reconstruí-lo em clínicas públicas de luxo (como as prometidas pelo Serra). O sujeito assassinou pessoas depois de usar crack ou outras drogas? Dever incontornável do Estado considerá-lo um coitadinho e, em vez de responsabilizá-lo pelo crime (uma vez que se drogou porque quis), tratá-lo e devolvê-lo às ruas para matar mais. E quem vai pagar por tudo isso? Nós, os caretas, que ficamos ralando no trabalho enquanto a turma da maconha faz marcha. Aliás, já estamos pagando: não só com as verbas destinadas pelo governo à política de redução de danos, mas também com o sangue inocente dos mais de 50 mil homicídios anuais, muitos deles motivados pelo crack — não por ser proibido, mas justamente por ser tolerado demais.



Os defensores mais moderados da Marcha da Maconha afirmam que sua luta não é para liberar a droga, mas para regulamentá-la. Fernando Henrique Cardoso até aparece todo pimpão numa foto segurando um quadro em que se lê: “Maconha: liberar, não! Regulamentar, sim!” Santa ingenuidade! Tão bobinho que até da pena. Por acaso, já se conseguiu pôr regulamento no vício? Alguém já viu um viciado em álcool procurar uma nutricionista para que ela lhe prescreva uma dieta saudável de cerveja? Nem Deus impediu Noé de se embebedar e passar vexame diante dos filhos, mas essas ONGs se julgam acima de Deus e acreditam piamente em capacitação do usuário de drogas, arvorando-se a Sistema “S” dos viciados, como se fossem um Senai treinando padeiros.


A ditadura das ONGs



O próprio Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas (Sisnad), instituído pelo Decreto 5.912, de 27 de dezembro de 2006, é uma prova da arrogância insana dessa gente. Órgão máximo da política sobre drogas no país, ele é presidido pelo próprio ministro da Justiça e composto por representantes de vários ministérios, além de representantes da sociedade. E é nesse ponto que ele revela seu desatino ideológico e até moral. Os representantes da sociedade são: um jurista, um médico, um psicólogo, um assistente social, um enfermeiro, um educador e um cientista, além de um comunicador de projeção nacional, um antropólogo, um artista também de projeção e dois representantes do Terceiro Setor.



Todos esses representantes citados — estabelece o decreto presidencial — têm de ser especialistas de comprovada experiência na questão das drogas, inclusive o educador, que não é um professor comum, mas alguém que se dedica a tratar das drogas nas escolas e é indicado pelo Conselho Federal de Educação. Na composição do Sisnad só um representante da sociedade foge à regra do notório saber em drogas exigido para ocupar o cargo — o estudante indicado pela UNE (União Nacional dos Estudantes).



De duas umas: ou a maior especialidade do estudante brasileiro é usar drogas ou os demais especialistas deste órgão são doutores de fancaria. Pois só um profissional sem respeito intelectual por si mesmo aceitaria discutir um assunto tão sério, de igual para igual, com um mero estudante de passeata. Se esses supostos especialistas aceitam a presença de um imberbe representante da UNE num conselho de tamanha responsabilidade, é porque nem eles próprios se levam a sério e, no fundo, não são especialistas, mas militantes, motivados por pura ideologia.



Se alguém tem alguma dúvida sobre isso, repare na completa ausência entre os membros do Sisnad da parte mais interessada e penalizada pelo consumo de drogas — os pais e mães de família. É absolutamente inadmissível que, justamente no órgão encarregado de pensar toda a política de drogas do país, os estudantes tenham lugar cativo, enquanto seus pais são silenciados. Quem carrega o Brasil nas costas não são os viciados da Cacrolândia nem os estudantes da UNE, mas esses anônimos pais e mães de família. Ao se recusar a ouvi-los, o governo brasileiro comprova que vivemos sob a ditadura das ONGs e das universidades, que, a pretexto de reduzir danos, querem mais é que o país se dane.


Fonte: Jornal Opção – clique aqui para conferir

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