Observações iniciais. Os trechos que seguem pertencem ao ensaio "Ser Conservador", de Michael Oakeshott, que pode ser lido na íntegra aqui. Rodrigo Constantino informa: Meu trabalho foi apenas pinçar o que considerei as melhores passagens para quem tem menos tempo disponível. Aos demais, recomendo a leitura completa.
Ser conservador é
preferir o familiar ao desconhecido, preferir o tentado ao não tentado, o fato
ao mistério, o real ao possível, o limitado ao ilimitado, o próximo ao
distante, o suficiente ao superabundante, o conveniente ao perfeito, a
felicidade presente à utópica.
Assim sendo, as
mudanças pequenas e lentas serão, para ele, mais toleráveis que as grandes e
repentinas, e valorizará consideravelmente toda a aparência de continuidade.
A única forma que
temos de defender a nossa identidade (ou seja, de nos defendermos a nós mesmos)
contra as forças adversas da mudança encontra-se no conhecimento da nossa experiência;
apoiando-nos naquilo que mostre maior firmeza, aderindo àqueles costumes que
não estejam imediatamente ameaçados e assimilando assim o novo sem nos
tornarmos irreconhecíveis para nós mesmos
É por algum
subterfúgio do conservadorismo que todas as pessoas ou povos forçados a sofrer
uma mudança notável evitam a desonra da extinção.
Para além disso, ele
está consciente de que nem toda a inovação constitui verdadeiramente um avanço.
Ainda mais, mesmo
quando a inovação representar um progresso convincente, ele analisará duas
vezes os argumentos que a justificarem antes de a aceitar.
Existe a possibilidade
de que os benefícios que se obtiverem sejam maiores que os previstos, mas
existe também o risco de estes serem contrabalançados por mudanças para pior.
A inovação implica uma
perda certa e um ganho possível. Por conseguinte, cabe ao hipotético reformador
provar ou demonstrar que pode esperar-se que a mudança seja, em última
instância, benéfica.
Consequentemente, ele
prefere as inovações pequenas e limitadas às grandes e indefinidas. Em quarto
lugar, ele prefere o passo lento ao rápido, e pára para observar as
consequências atuais e fazer os ajustamentos necessários.
O indivíduo de
temperamento conservador pensa que não deve abandonar um bem conhecido por
outro desconhecido. Não gosta do perigoso e difícil; não é aventureiro; não o
atrai navegar por mares desconhecidos; para ele não há qualquer prazer em
encontrar-se perdido, aturdido ou naufragado.
O que os outros vêem
como timidez, ele qualifica como prudência racional; o que os outros
interpretam como sendo inatividade, para ele constitui uma inclinação para
desfrutar em vez de explorar. É uma pessoa cautelosa e tende a indicar a sua
aprovação ou desaprovação não de forma categórica, mas prudente.
Sempre que uma
identidade firme é alcançada, ou sempre que a situação dessa identidade é
precária, é a disposição conservadora que triunfa. Por outro lado, a atitude
adolescente é, amiúde, predominantemente temerária e experimental; quando somos
jovens, não há nada que nos pareça mais atrativo que correr riscos.
A relação entre amigos
é sentimental, não utilitária; o vínculo é de familiaridade, não de utilidade;
a atitude implícita é conservadora, não “progressista”. E o que é
fundamentalmente verdade na amizade não é menos verdade em outras experiências
– o patriotismo, por exemplo, ou a simples conversa -, cada uma das quais exige
uma atitude conservadora como uma precondição para o seu gozo.
Consequentemente,
todas as atividades em que o que se procura é o agrado resultado não do sucesso
do intento, mas da familiaridade desta, constituem símbolos da postura
conservadora.
Quem vê na pessoa de
disposição conservadora (inclusivamente naquilo a que se chama vulgarmente de
“sociedade progressista”) um indivíduo solitário que nada contra a esmagadora
corrente das circunstâncias só pode ter ajustado os seus binóculos de modo a
ignorar um largo campo da ação humana.
De fato, não me parece
que o conservadorismo esteja necessariamente relacionado com alguma crença
particular acerca do universo, do mundo ou da conduta humana em geral.
Prende-se, isso sim, com crenças sobre a atividade de governar e os
instrumentos do governo, e é em crenças nestes tópicos, e não em outros, que
pode ser compreendido.
Naturalmente, nem
todos esses sonhos são exatamente iguais; mas têm em comum o fato de que cada
um deles representa uma visão das circunstâncias humanas em que as ocasiões de
conflito foram eliminadas, uma visão em que a atividade humana aparece, assim,
coordenada e caminhando numa só direção em que todos os recursos são utilizados
na sua totalidade. Entendem estas pessoas que a função do governo é impor, aos
seus súbditos, as circunstâncias humanas dos seus sonhos. Governar é
transformar um sonho privado numa forma de vida pública e obrigatória. Deste
modo, a política passa a ser um encontro de sonhos e, na atividade política, o
governo agarra-se a esta interpretação da sua função, recebendo, por isso, os
instrumentos que para ela são apropriados.
A imagem do governante
deve ser a de um árbitro cuja função consiste em aplicar as regras do jogo, ou
a de um moderador que dirige um debate sem participar nele.
Em resumo, a função
que se atribui ao governo é a da resolução de alguns dos conflitos que são
gerados por essa variedade de crenças e atividades; preservar a paz sem impor
uma proibição à escolha ou à diversidade implícita do seu exercício; e sem
impor uma uniformidade substantiva, a não ser mediante a aplicação de regras
gerais de procedimento a todos os súditos de igual modo.
Em síntese, os
segredos do bom governo provêm do protocolo, não da religião ou da filosofia;
no gozo de um comportamento ordeiro e pacífico, não na busca da verdade ou da
perfeição.
O guardião deste
ritual será o governo, e as regras que o impõem serão “a Lei”.
Governar não tem a ver
com o bem ou com o mal moral, e o seu objetivo não é fazer homens bons ou
melhores; não vai buscar justificação à “perversão natural da humanidade”, é
algo necessário apenas devido à tendência que há para se ser extravagante; a
sua função [do governo] consiste em manter os seus súbditos em paz uns
com os outros nas atividades em que escolheram procurar a felicidade.
Por conseguinte, o
conservador nada terá a ver com as inovações que se destinem, meramente, a satisfazer
situações hipotéticas; optará por empregar a regra que tem a inventar uma nova;
achará conveniente atrasar a modificação de regras até que seja claro que a
alteração de circunstâncias que a justifica veio para ficar. Suspeitará de
propostas de mudança que vão além do que a situação exige; dos governantes
que peçam poderes extraordinários para a consecução de grandes modificações e
cujas palavras estejam relacionadas com banalidades como “o bem público” ou a
“justiça social”; e dos Salvadores da Sociedade que abracem a armadura e
procurem dragões para matar.
O conservador entende
que a função do governo não consiste em alimentar paixões e dar-lhe novos
objetivos com que possam alimentar-se, mas sim em introduzir um ingrediente de
moderação nas atividades de pessoas demasiado apaixonadas; limitar,
desencorajar, pacificar e reconciliar; não atiçar o fogo do desejo, mas
sufocá-lo. E tudo isto não porque a paixão seja um vício e a moderação uma
virtude, mas porque a moderação é indispensável se se quiser evitar que homens
apaixonados sejam aprisionados por conflitos que os frustrem mutuamente.
Um árbitro que é ao
mesmo tempo um dos jogadores não é um árbitro; as regras acerca das quais não
somos conservadores não são regras, mas incitamentos à desordem; a união entre
sonhos e governo gera tirania.
A política é uma
atividade inadequada para os jovens, não devido aos seus vícios mas sim devido
ao que eu considero serem as suas virtudes.
Os tempos de juventude
de toda a gente são um sonho, uma loucura deliciosa, um doce solipsismo. Nesse
tempo, nada tem uma forma fixa, um preço fixo; tudo é possível e vive-se numa
felicidade a crédito. Não há obrigações a respeitar, não há contas a fazer.
Nada há que se especifique de antemão; cada coisa é o que se pode fazer dela. O
mundo é um espelho em que procuramos o reflexo dos nossos próprios desejos. A
tentação das emoções violentas é irresistível. Quando somos jovens, não estamos
dispostos a fazer concessões ao mundo; nunca sentimos o contrapeso de algo nas
nossas mãos - a menos que seja um bastão de críquete.
Fonte: Blog do Rodrigo Constantino, acessado dia 13/04/2014,
às 05h 46m, através deste link: http://rodrigoconstantino.blogspot.com.br/2013/05/ser-conservador.html
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