Sempre
apreciei muito o Barnabé. É fora de dúvida que ele tem qualidades. É
reto, despretensioso, de trato agradável. Mas o coitado tem um defeito
incorrigível, tão incorrigível que acabou por fazê-lo ficar de miolo
mole.
O
defeito do Barnabé é que ele acredita piamente em tudo quanto dizem os
intelectuais da última moda, aos quais uma literatura pseudo-filosófica
e certos cadernos da mídia concedem grande audiência. E o mais triste é
que o pobre Barnabé procura seriamente aplicar na vida concreta as fantasias
elucubradas por esse gênero de sonhadores utópicos que a esquerda
costuma produzir a rodo.
A
última enrascada em que Barnabé se meteu foi acreditar que os animais
têm direitos iguais aos dos homens. Mais ainda, que os animais são
iguais aos homens. Eu não sei em que leituras ele se meteu, nem que
palestras ouviu, mas o certo é que ficou convencido da propalada
igualdade. E, como é seu vezo, logo se aplicou em transferir para a
prática a utopia mirabolante.
Para
cúmulo dos males, ele tinha um cachorro de estimação, um fox
terrier branco
e engraçadinho, que atendia pelo nome de Pimpão. Não é que o pobre
Barnabé concedeu estatuto de igualdade ao Pimpão!
Às
refeições, lá estava a cadeira do cãozinho, que deveria sentar-se
educadamente, com o guardanapo ao pescoço, tendo à sua frente o prato e
os talheres. Na hora de dormir, o Pimpão tinha seu quarto e sua cama,
com lençóis limpos e um cobertor de reserva para o caso de esfriar à
noite. Uma pia bem baixa, com lugar para o sabonete e a escova de
dentes, foi especialmente encomendada.
Tudo
estava perfeito, e Barnabé contentíssimo. Mas a dificuldade surgiu:
o terrier não
se compenetrava de que era igual aos homens e não agia de acordo com a
etiqueta. Aí começaram as agruras do Barnabé: como fazer para tornar
eficaz essa igualdade com um cabeçudo como o Pimpão, que timbrava em
agir como cachorro, e não como homem?
Barnabé
começou então a dar tratos à bola em busca de uma saída para um
problema tão inesperado. Ele era inteligente, não propriamente
intuitivo, muito menos esperto, mas raciocinante.
Foi
então –– em meio a essas sessões escaldantes de raciocínio apertado, em
que o cérebro fervia de tanto trabalhar –– que a solução pulou de
dentro da cabeça de Barnabé, como lançada por uma mola. Nem o estalo de
Vieira pode-se comparar a tanta lucidez repentina:
—
Eureka! Achei! Pimpão e eu somos iguais. Se
ele não quer se portar como um igual em relação a mim, eu vou me portar
como um igual em relação a ele.
E
eis o pobre Barnabé andando de quatro, comendo no prato de ferro
do terrier,
forçando sua coluna vertebral para caber dentro da casinha do cachorro;
e –– coitado! –– latindo quando alguém se aproximava.
A última vez que o visitei no manicômio, os médicos me
asseguraram que a situação dele é reversível, e que ele tem cura. É
questão de tempo, e sobretudo de não permitir mais que ele leia
qualquer literatura pseudo-filosófica ou as seções “culturais” de certa
mídia.
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Gregorio Vivanco Lopes é advogado e colaborador da ABIM
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