Luiz
Carlos Nogueira
Hoje
eu estava desmanchando papéis, velhos documentos que consistiram de análises
contábeis, orientações e pareceres jurídicos, etc. que precisavam ser
destruídos por consequência da minha aposentadoria, depois de transcorrido o
tempo da minha responsabilidade legal em face dos seus conteúdos.
A
destruição desses documentos teria que ser feita por incineração, ou por meio
de um triturador. A incineração traz o inconveniente da fumaça que produz e o
uso do triturador exige a retirada de grampos, clipes, o que torna a operação
um pouco mais difícil, até pela quantidade pequena que o triturador pode
suportar. Por conta disso imaginei que se usasse um tambor com água (com tampa,
para evitar a ação dos mosquitos), no qual coloquei os documentos retirados das
pastas de arquivos, sem ter que separá-los para guardar ainda alguns outros
pela ordem de importância, já que o prazo transcorrido me deu essa condição, ou
seja, para destruí-los todos, por lotes e de uma só vez.
Durante
o processo de destruição desses papéis, meus pensamentos me remeteram ao
passado, e me dei conta das várias situações nas quais estive frente às
questões das torpezas humanas, ou seja, no tempo em que fui bancário, contador,
auditor contábil e advogado, quase não me lembrei das raríssimas vezes em que
fui procurado por um cliente ou mesmo por um dono de empresa, para obter minhas
orientações de como fazer determinada coisa, corretamente e dentro do que prescrevia
as legislações pertinentes. A maioria das vezes, pretendiam que eu procedesse de
forma não recomendável, ou tentavam obter algum parecer, alguma orientação que
no íntimo sabiam que eram erradas, mas que se eventualmente eu sinalizasse
alguma possibilidade de fazê-las ou executá-las, com risco de serem descobertas
futuramente, o que sempre um dia isso acontece, invocariam a isenção da sua
culpa sob o argumento que só fizeram ou procederam dessa ou daquela forma,
porque desconhecendo a legalidade ou o procedimento correto, obtiveram a minha
orientação e meu aval profissional.
Numa
ocasião em que eu era contador geral de uma empresa, que foi vendida e o seu
novo presidente chamou-me para fazer uma alteração nos seus registros contábeis,
que no futuro trariam consequências graves, porque não havia como não aparecer
perante o fisco e a bolsa de valores — tive que me demitir no mesmo momento.
Outras
vezes, eu acabava discutindo e rejeitando severamente algumas práticas que
seriam forçosamente descobertas pelas auditorias, nos cruzamentos de informações e de dados,
embora isso fosse menos mau do que se fossem detectadas pelo fisco. Quando isso
acontecia, era motivo de minha preocupação, dormia mal com receio de ser
demitido, pois tinha família para sustentar e com filhos cursando faculdades.
Com
este artigo, não quero assumir ares de suprema honestidade, mas apenas dizer que
os profissionais de quaisquer áreas, podem (e devem) fazer uma opção de como procederem
na vida — qual seja, de não trabalharem deliberadamente de forma errada ou fora
das normas profissionais ou legais. Essa escolha não facilitará suas vidas,
pelo contrário, poderá até dificultá-las para ganhar dinheiro fácil, porém,
jamais sofrerão condenações em processos como estamos assistindo acontecer no
Brasil, dos: mensalões, petrolões, eletrolões, beenedeezões e todos os demais “ões”
do mesmo gênero criminoso.
E
é oportuno citar as palavras de Hannah Arendt[i],
que nos dá, na realidade, a entender que as investidas humanas na tentativa de obter
proveito próprio, traz ínsitamente a busca pelo poder que corrompe : “O poder corrompe, de fato, quando os fracos
se unem para destruir o forte, mas não antes. A vontade de poder, denunciada ou
glorificada pelos pensadores modernos de Hobbes a Nietzsche, longe de ser uma
característica do forte, é, como a cobiça e a inveja, um dos vícios do fraco,
talvez o seu mais perigoso vício.”
Assim,
a busca de sempre obter vantagens, por pequenas que sejam, conduz o ser humano
à procura de poder, especialmente na política. E se eventualmente um indivíduo que
cultiva essa natureza, consegue galgar o governo de um país, e depois começa a
promover atos que destroem sua credibilidade e causam insegurança ou medo na
população, acaba se isolando e tronando-se um tiranete, que só consegue
promover a destruição desse país, porquanto faz de tudo para aumentar seu poder
e se manter nele a qualquer custo, não importando como e nem com o quê.
Aliás,
esse tipo de político que exerce a tirania, penso eu, que na verdade trata-se
de psicopata, como bem descreve Andrew Lobaczewski[ii]
em seu livro “Ponerologia: Psicopatas no Poder, do qual extraí do texto a
seguir, contido no prefácio do prof.
Olavo de Carvalho:
“[...] alguns estudantes de medicina na Polônia, na
Hungria e na Checoslováquia começaram a notar que havia algo de muito estranho
no ar. Eles haviam lutado na resistência antinazista junto com seus colegas, e
isto havia consolidado laços de amizade e solidariedade que, esperavam,
durariam para sempre. Aos poucos, após a instauração do regime comunista, novos
professores e funcionários, enviados pelos governantes, estavam alterando profundamente o
ambiente moral nas universidades daqueles países. Um jovem psiquiatra escreveu:
(…) sentíamos que
algo estranho tinha invadido nossas mentes e algo valioso estava se esvaindo de
forma irreparável. O mundo da realidade psicológica e dos valores morais
parecia suspenso em um nevoeiro gelado. Nosso sentimento humano e nossa
solidariedade estudantil perderam seus significados, como também aconteceu com
o patriotismo e nossos velhos critérios estabelecidos. Então, nos perguntamos
uns aos outros, “isso está acontecendo com você também?”.
Impossibilitados de reagir, eles começaram a trocar
ideias, perguntando como poderiam se defender da devastação psicológica geral.
Aos poucos essas conversações evoluíram para o plano de um estudo psiquiátrico
da elite dirigente comunista e da sua influência psíquica sobre a população.
O estudo prosseguiu em segredo, durante décadas, sem
poder jamais ser publicado. Aos poucos os membros da equipe foram envelhecendo
e morrendo (nem sempre de causas naturais), até que o último deles, o
psiquiatra polonês Andrej (Andrew) Lobaczewski (1921-2007), reuniu as notas de
seus colegas e compôs o livro que veio a sair pela primeira vez no Canadá, em
2006, e que agora a Vide Editorial, de Campinas, está a publicar em tradução brasileira de Adelice Godoy: “Ponerologia:
Psicopatas no Poder”, do qual extraí o parágrafo acima.
“Poneros”, em grego, significa “o mal”. O mal,
porque o traço dominante no caráter dos novos dirigentes, que davam o modelo de
conduta para o resto da sociedade, era inequivocamente a psicopatia. O psicopata não é um
psicótico, um doente mental. Só lhe falta uma coisa: os sentimentos morais,
especialmente a compaixão e a culpa. Não que ele desconheça esses sentimentos.
Conhece-os perfeitamente, mas os vivencia de maneira puramente intelectual,
como informações a ser usadas, sem participação pessoal e íntima. Quanto maior
a sua frieza moral, maior a sua habilidade de manipular as emoções dos outros, usando-as
para os seus próprios fins, que, nessas condições, só podem ser malignos e criminosos.
Justamente porque não sentem compaixão nem culpa, os psicopatas sabem despertá-las
nos outros como quem toca um piano e produz o acorde que lhe convém.
Não é preciso nenhum estudo especial para saber que,
invariavelmente, o discurso comunista, pró-comunista ou esquerdista é cem por
cento baseado na exploração da compaixão e da culpa. Isso é da experiência comum.
Mas o que o dr. Lobaczewski e seus colaboradores
descobriram foi muito além desse ponto. Eles descobriram, em primeiro lugar,
que só uma classe de psicopatas tem a agressividade mental suficiente para se
impor a toda uma sociedade por esses meios. Segundo: descobriram que, quando os
psicopatas dominam, a insensitividade moral se espalha por toda a sociedade, roendo
o tecido das relações humanas e fazendo da vida um inferno. Terceiro:
descobriram que isso acontece não porque a psicopatia seja contagiosa, mas
porque aquelas mentes menos ativas que, meio às tontas, vão se adaptando às
novas regras e valores, se tornam presas de uma sintomatologia claramente histérica,
ou histeriforme. O histérico não diz o que sente, mas passa a sentir aquilo que
disse – e, na medida em que aquilo que disse é a cópia de fórmulas prontas espalhadas na atmosfera como gases
onipresentes, qualquer empenho de chamá-lo de volta às suas percepções reais
abala de tal modo a sua segurança psicológica emprestada, que acaba sendo
recebido como uma ameaça, uma agressão, um insulto.
É assim que um grupo relativamente pequeno de líderes
psicopáticos destrói a alma de uma nação.”
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