domingo, 1 de novembro de 2009

Teoria da Lesão do Contrato e a Relativização da Coisa Julgada Material



Luiz Carlos Nogueira



Desde o Direito Romano da qual se originou a Teoria da Lesão do Contrato, esta teoria também já era prevista nas ordenações do reino, e se orienta pelos princípios da equidade,.

Segundo Caio Mário da Silva Pereira, tal lesão é: "o prejuízo que uma pessoa sofre na conclusão de um ato negocial, resultante da desproporção existente entre as prestações das duas partes.", ou seja, quando se constata o exagerado desequilíbrio nas obrigações das partes em um contrato, por inexperiência, leviandade ou estado de necessidade de um dos contratantes.



Há casos em que se constata a lesão enorme e a lesão enormíssima, que acabam surtindo iguais efeitos, quando se pleiteia a desconstituição ou redução do negócio jurídico.

A lesão enorme, ocorre, por exemplo, quando um bem, objeto de um contrato de compra e venda em que o seu valor real representa o dobro do preço pago. Neste caso, percebe-se que o contratante foi levado ao engano, não recebendo o justo valor do bem.



a lesão enormíssima, ocorre, por exemplo, quando se verifica uma desproporção que ultrapassa em 2/3 do valor real da coisa em relação ao mercado. Nesse caso, em particular, identifica-se um vício objetivo. E que se afigura é uma atitude de dolo presumido de natureza subjetiva.



A lesão também ocorre na fixação de multas contratuais exageradas, maliciosamente inseridas nas cláusulas do pacto, que redundam em prejuízos enormes para uma ou outra parte, que no afã de contratar, por exemplo, a compra e venda de um imóvel, não presta a devida atenção sobre essas particularidades, ou então, que de forma pueril acredita que não haverá possibilidade de uma cláusula ser exigida, ainda que constitua um verdadeiro abuso do direito.



A Teoria da Lesão Enorme encontra fundamento no Código Civil Brasileiro de 2002, conforme se verifica no seu art. 157:

“Art. 157. Ocorre a lesão quando uma pessoa, sob premente necessidade, ou por inexperiência, se obriga a prestação manifestamente desproporcional ao valor da prestação oposta.

§ 1o Aprecia-se a desproporção das prestações segundo os valores vigentes ao tempo em que foi celebrado o negócio jurídico.

§ 2o Não se decretará a anulação do negócio, se for oferecido suplemento suficiente, ou se a parte favorecida concordar com a redução do proveito.”

Para melhor ilustrar trago à colação, as fundamentações doutrinárias contidas no Novo Código Civil Comentado/Coordenador Ricardo Fiúza — São Paulo: Saraiva, 2002:

“Histórico



• O presente dispositivo não foi alvo de qualquer espécie de alteração seja da parte do Senado

Federal seja da parte da Câmara dos Deputados no período final de tramitação do

projeto.



Doutrina



• Lesão: É um vício de consentimento decorrente do abuso praticado em situação de desigualdade de um dos contratantes, por estar sob premente necessidade, ou por inexperiência, visando a protegê-lo, ante o prejuízo sofrido na conclusão do contrato, devido à desproporção existente ente as prestações das duas partes, dispensando-se a verificação do dolo, ou má-fé, da parte que se aproveitou.



• Apreciação da desproporção das prestações: A desproporção das prestações, ocorrendo lesão, deverá ser apreciada segundo os valores vigentes ao tempo da celebração do negócio jurídico pela técnica pericial e avaliada pelo magistrado. Se a desproporcionalidade for superveniente à formação do negócio, será juridicamente irrelevante.



• Lesão e anulação do negócio: A lesão incluí-se entre os vícios de consentimento e acarretará a anulabilidade do negócio, permitindo-se, porém, para evitá-la, a oferta do suplemento suficiente, ou, se o favorecido concordar, a redução da vantagem, aproveitando, assim, o negócio.”

Assim os elementos indicativos para se aplicar a teoria da lesão, são dois:



1) o elemento objetivo: que consiste na desproporcionalidade manifesta entre as prestações, importando excessiva vantagem em favor de uma das partes em prejuízo de outra; e



2) o elemento subjetivo: que consiste no dolo de aproveitamento, resultante da inexperiência ou premente necessidade da parte prejudicada.



A Teoria da Lesão dos Contratos, além de ínsita no Art. 157 do Código Civil, encontra ressonância na doutrina e nas jurisprudências. Está viva no direito positivo, por exemplo, pelas técnicas de combate à usura, desencadeadas pelos institutos de defesa da economia popular (Lei nº 1.521/51, art 4º, letra "b") e através do Código de Proteção e Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/90), que a consagra em seus diversos dispositivos (arts. 6º, alínea V, 39, 47, 51 alínea IV).



É muito comum o jurisdicionado se ver diante de situações muitas vezes desesperadoras, por consequência de sentenças de juízos monocráticos ou de decisões dos tribunais superiores, mesmo diante de cláusulas contratuais extremamente injustas, antiéticas, que constituem verdadeiro abuso do direito.



O pior é que apesar do sentimento de desamparo de uma das partes prejudicadas, muitas vezes não é possível contar com socorro jurídico, como por exemplo, a propositura de ação rescisória de que trata o Art. 485 do Código de Processo Civil (especialmente quando está presente a intenção dolosa, em cláusula contratual, com a qual se está obtendo enriquecimento ilícito), porque decisão que poderia ser guerreada, atingiu o prazo decadencial de 2 anos a contar da data do seu trânsito em julgado (Art. 495 do CPC).



O dogma da coisa julgada, não mais parece adequado aos tempos modernos. A noção de que a coisa julgada baseia-se no Direito, não mais poderia significar que a decisão é definitiva simplesmente porque proferida pelo Estado-Juiz, ou simplesmente é válida porque assim foi declarada pelo judiciário — antes é preciso indagar se é justa. Não sendo assim, soa mal falar em realização da justiça.



O fato é que, como diz o Professor Dr. Luiz Guilherme Marinoni (Sobre a chamada "relativização" da coisa julgada material: http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=5716 ) : “apesar de se reconhecer o primado do princípio da dignidade da pessoa humana como vetor do sistema do direito, é certo que o atual desenvolvimento das teorias pelas quais sempre seria obtenível uma decisão justa ainda não possibilitam sua execução fática. (3) Em outras palavras, ainda não existem condições de disciplinar um processo que sempre conduza a um resultado justo.” “[..] O que importa, nesse momento, é indagar se é possível e conveniente, diante de certas circunstâncias, dispensar a ação rescisória para abrir oportunidade para a revisão de sentenças transitadas em julgado. Tal possibilidade implicaria na aceitação de que a coisa julgada deve ser "relativizada" (6).”



“Em favor darelativizaçãoda coisa julgada, argumenta-se a partir de três princípios: o da proporcionalidade, o da legalidade e o da instrumentalidade. No exame desse último, sublinha-se que o processo, quando visto em sua dimensão instrumental, somente tem sentido quando o julgamento estiver pautado pelos ideais de Justiça e adequado à realidade. Em relação ao princípio da legalidade, afirma-se que, como o poder do Estado deve ser exercido nos limites da lei, não é possível pretender conferir a proteção da coisa julgada a uma sentença totalmente alheia ao direito positivo. Por fim, no que diz respeito ao princípio da proporcionalidade, sustenta-se que a coisa julgada, por ser apenas um dos valores protegidos constitucionalmente, não pode prevalecer sobre outros valores que têm o mesmo grau hierárquico. Admitindo-se que a coisa julgada pode se chocar com outros princípios igualmente dignos de proteção, conclui-se que a coisa julgada pode ceder diante de outro valor merecedor de agasalho.”

Em face dessas considerações, uma fonte de abordagem apropriada para o tema sobre a relativização da coisa julgada, encontra-se na obra “O Dogma da Coisa Julgada: Hipóteses de Relativização”/Teresa Arruda Alvim Wambier, José Miguel Garcia Medina- São Paulo:Editora Revista dos Tribunais, 2003, cujos estudos, com dizem os autores, propõem caminhos para resolver algumas situações que vêm angustiando a comunidade jurídica em relação à chamada coisa julgada inconstitucional, cujos efeitos não deveriam perpetuar-se. Diante disso, observa-se a necessidade de buscar uma adequação do instituto da coisa julgada à realidade do sistema jurídico brasileiro, ou seja, uma relativização para se enfrentar decisões indesejáveis, mesmo depois de esgotadas as possibilidades recursais. Um dos caminhos diz respeito ao reconhecimento de situações em que não haveria nem mesmo se formado a coisa julgada. O outro trata de uma nova forma de interpretação do art. 485, inc. V, do CPC, para que se estabeleça um alcance compatível com o estágio em que se encontra a doutrina jurídica em geral. O estudo se encerra com a análise dos mecanismos processuais de supressão ou correção das decisões judiciais inexistentes ou nulas, mesmo quando presente a figura da coisa julgada, com destaque para a querella nullitatis.

Outro ponto a considerar é sobre o abuso de direito, para o que já existem normas de proteção nesse sentido, contemplando grupos sociais, como o de consumidores, idosos, crianças, portadores de necessidades especiais, etc., que diante desse fenômeno jurídico Orlando Gomes (A agonia do Código Civil, Revista de Direito Comparado Luso-Brasileira, nº 7, 1988, p.9) comenta: “o Código Civil agoniza ao perder o seu significado de repositório de todo o direito privado e de centro de experiência jurídica de um povo. Esvaziou-se no conteúdo e perdeu o seu sentido”.

Além disso, há também que se considerar que a Constituição Federal/88 (de acentuado conteúdo social) tem aplicabilidade direta sobre as relações interpessoais, conforme assevera a Profª Maria Celina Bodin de Moraes (A caminho de um direito civil constitucional. Revista de Direito Civil, nº 65. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, p.28): “[...] as normas de direito civil devem ser interpretadas como reflexo de normas constitucionais. A regulamentação da atividade privada (porque regulação da vida cotidiana) deve ser, em todos os seus momentos, expressão da indubitável opção constitucional de privilegiar a dignidade da pessoa humana. Em conseqüência, transforma-se o direito civil: de regulamentação da atividade econômica individual, entre homens livres e iguais, para a regulamentação da vida social, na família, nas associações, nos grupos comunitários, onde quer que a personalidade humana melhor se desenvolva e sua dignidade seja mais amplamente tutelada.”

Assim também penso que nos contratos, o direito deve ser visto sob a ótica civil-constitucional, não obstante a relativização dos direitos dos contratantes que quebram o dogma do pacta sunt servanda, e por isso trazem dificuldades para os operadores do direito e para os julgadores em todas as instâncias. Todavia, o legislador moderno, isento de pusilanimidade, tem a obrigação de começar a pensar e identificar novas necessidades de ordem jurídica, criando mecanismos e instrumentos que venham facilitar aos julgadores a se desincumbirem dos seus misteres, com maior efetividade, para realizar a tão almejada justiça, de forma que possa declarar o abuso do direito a ponto de poder estipular novas condições não previstas pelos contratantes e pela própria lei. O julgador deve perseguir o caminho da equidade, quebrando as arestas que a sua investidura lhe permite.

Para finalizar, partindo da premissa de que a finalidade da justiça é dar a cada um o que por direito lhe pertence na medida certa, e que o exercício de um direito não deve prejudicar a outra parte, encontramos aí um desafio aos operadores do direito, para repensarem a teoria dos contratos não somente sob o ponto de vista estritamente jurídico, mas também sob o ponto do vista social e sob o ponto de vista da ordem pública. Os injustiçados por consequência das armadilhas dos espertos ficarão sempre duvidando da sua cidadania, e achando que são meros pagadores de impostos para sustentar as iniquidades e fortalecer a malandragem.



Nenhum comentário:

Postar um comentário