quinta-feira, 5 de maio de 2011

Uma espécie de maldição...


Luiz Carlos Nogueira

nogueirablog@gmail.com


Ensaia-se e alardeia-se diante da perplexidade das massas, a reclamada reforma política. De tal sorte as alcatéias ululantes e famélicas, se movem sorrateiramente pelas sombras e nos bastidores do poder, para rapidamente marcarem seus territórios. Aguçam suas unhas e farejam também as matilhas obedientes que transitam imperturbáveis em meio de sevandijas. Negaceiam suas presas e ensaiam seus saltos, para que no momento de um breve descuido sucumbam às suas sanhas.


É assim que o autor do discurso abaixo, contava a história que se repete sempre de uma forma absurda, sem reação do povo contra esse estado de coisas, tal como a situação de Sísifo, personagem da mitologia grega, condenado a repetir sempre a mesma tarefa de empurrar uma pedra de uma montanha até o topo, só para vê-la rolar para baixo novamente:


“Uma espécie de maldição acompanha, ultimamente, o trabalho ingrato dos que se votaram à lida insana de sujeitar à legalidade os governos, implantar a responsabilidade no serviço da nação, e interessar o povo nos negócios do país. A opinião pública, mergulhada numa indiferença crescente, entregou-se de todo ao mais muçulmano dos fatalismos.(1) Com o reinado sistemático e ostentoso da incompetência cessaram todos os estímulos ao trabalho, ao mérito e à honra. A política invadiu as regiões divinas da justiça, para a submeter aos ditames das facções. Rota a cadeia da sujeição à lei, campeia dissoluta a irresponsabilidade. Firmada a impunidade universal dos prepotentes, corrompeu-se a fidelidade na administração do erário. Aberta as portas do erário à invasão de todas cobiças (2), baixamos da malversação à penúria, da penúria ao descrédito, do descrédito à bancarrota, Inaugurada a bancarrota, com o seu cortejo de humilhações, agonias e fatalidades, vê a nação falidas até as garantias da sua existência, não enxergando com que recursos iria lutar amanhã, ao menos pela sua integridade territorial, contra o desmembramento, o protetorado, a conquista estrangeira. E, enquanto este inevitável sorites enlaça nas suas tremendas espirais a nossa pátria, todos os sinais da sua vitalidade se reduzem ao contínuo crescer dos seus males e sofrimentos, sob a constante ação dos cancros políticos que a devoram, das parcialidades facciosas que a corroem, dos abusos, por elas entretidos, que lazaram de uma gafeira ignóbil.”


Pois bem, o discurso (trecho) acima transcrito, foi feito em 19 de novembro de 1914, por Rui Barbosa, quando da sua posse como presidente do Instituto dos Advogados Brasileiros, quatro dias após Venceslau Brás também ter tomado posse com presidente da república. Portanto, se referiu ao governo de Hermes da Fonseca.


(1) Quanto ao fatalismo a que Rui se referiu, é que a religião islâmica, ou muçulmana, prega que o destino humano é pré-determinado, não se admitindo a possibilidade do livre-arbítrio.


(2) Em “O Imparcial”, está registrado o correto. A Revista do Supremo Tribunal Federal registra “na administração do erário à invasão de todas as cobiças”


Fonte: Discursos no Instituto dos Advogados Brasileiros e Discursos no Colégio Anchieta, Coleção Obra-Prima de Cada Autor, Rui Barbosa, Ed.Martin Claret, S.Paulo, 2005, págs. 50,51.

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