segunda-feira, 30 de maio de 2011

A Novilíngua do Partidão e o domínio do Big Brother






Por Luiz Carlos Nogueira


Como dizia Abelardo Chacrinha Barbosa, animador de programas de TV: "Quem não se comunica se trumbica. " .

Por outro lado, diz o provérbio suíço: “As palavras são anões; os exemplos são gigantes”.

Recordo-me dos meus tempos de adolescente, quando morava numa pequena cidade. Nós, os jovens da época, tínhamos por diversão: as matinês (aportuguesamento do substantivo feminino francês = matinée) dos domingos no velho cinema, o futebol nas modalidades campo e salão, os banhos nos córregos e rios, os jogos de bolita (bolinhas de gude) e de pião, enfim, uma série de outras diversões sadias.

Assim, para termos exemplos da importância das palavras nas comunicações humanas, vou relatar alguns episódios ocorridos naquela época e depois, que sem dúvidas ficaram marcados nas minhas lembranças.

Certa vez, um colega que se chamava Jédison (que tinha dificuldade de articular determinadas palavras, inclusive seu próprio nome, que quando lhe era perguntado ele dizia: “Jédiffu” – e, além disso, não dominava o bom português), por estar consertando a sua bicicleta, precisava pedir para outro colega ir falar com uma pessoa encarregada de franquear uma quadra de futebol de salão, para disponibilizá-la no período vespertino, pois haveria disputa entre alguns times, nessa modalidade de esporte.

O colega escolhido para dar o recado fui eu. Então, o Jédison me disse: “fala lá com o Óstron prá ele reservá a quadra prá nóis”. Saí com a determinação de cumprir essa incumbência, pois, afinal de contas, eu também iria participar dos jogos.

Chegando ao local, procurei pelo tal de Óstron, que todos diziam não conhecer.

Pronto, “a coisa deu bode”, como se costumava dizer (não me perguntem o porquê dessa expressão colocando o bode no meio, só sei que, pelo nosso entendimento, era o mesmo que dizer que não deu certo).

Voltei rápido na minha bicicleta, para dizer ao Jédison que não havia encontrado o tal de Óstron. O guri não acreditou e me disse: “p.q.p rapaz! Ele é irmão do “véio”, vorta lá que ele te leva pro Óstron!”

Santa misericórdia!! Quando o “Jédiffu” me disse isso fiquei fulo, porque eu conhecia o irmão do “véio” — chamava-se Washington.

Como dizem: Puxa Vida!!! Eu ficava também muito fulo porque no ginásio (naquela época ginásio correspondia ao ensino fundamental de hoje, do 5º ao 9º ano), tínhamos as disciplinas de inglês, francês e latim. Isso era pura perda de tempo, porque eu nunca tive notícia de algum aluno que tivesse saído do ginásio sabendo falar alguma dessas línguas.

Isso me deixava encabulado porque tínhamos que aprender essas outras línguas, quando mal dávamos conta de aprender o português. Ainda mais um inglês ensinado por uma professora baiana (nada contra os irmãos baianos, pelos quais tenho muito respeito; só estou evidenciando o sotaque muito característico. De certo que eles também estranham o nosso).

Pois bem, um dia a professora, para ilustrar sua aula, disse-nos: “mininos, hoje vamos aprender a cantar a música do Júlio Iglesias “Bé guin De Bé guine” (Begin the beguine). Pronto: é aí que a coisa desanda. Imaginem alguém com essa pronúncia pedindo para um DJ (disc jockey) norte-americano ou inglês, tocar essa música.

Mas uma das coisas boas da forma antiga de ensinar línguas, era a tarefa de fazer traduções, cópias dos textos e depois os ditados, porque, pelo menos o infeliz aluno podia aprender a grafar corretamente as palavras e, dessa forma, quando a comunicação verbal falhasse, podia recorrer à escrita, pois, falando nem o diabo entendia.

O pior é que o nosso povo gosta de dar nomes estrangeiros aos filhos. Assim, quando a mãe grita para chamá-los, acontece uma catástrofe. E os nomes de estabelecimentos comerciais? E as ruas em algumas cidades brasileiras, que parecem ser de algum outro país?

Lembro-me também de outro caso, em que um fabricante de motor, para facilitar a vida dos povos de língua portuguesa, gravou num pedal a seguinte frase: “To turn the engine”, ou seja: para ligar o motor. Só que, após essa frase em inglês, gravou também a frase em português: “Pise no pedal”. Aí, um técnico norte-americano que inspecionava a empresa brasileira que havia comprado e instalado os motores, ficou todo atrapalhado porque lia: “To turn the engine paise nou pidal”, ou seja, emendou a frase em inglês com a em português, e as lia como se fossem integradas numa única frase em inglês, e dizia que não conhecia aquelas palavras em inglês (paise nou pidal).

Embora os nomes das pessoas (inclusive jurídicas) envolvidas nos casos acima citados, tenham sido substituídos ou omitidos para preservar-lhes a privacidade, tenho finalmente outro caso que aconteceu, dessa vez, envolvendo o meu sogro (já falecido) que se chamava Félix.

Meu sogro era prático de farmácia (um dos últimos que restavam dessa categoria), e precisou de cápsulas para utilizar em um remédio que iria manipular para dar a um trabalhador, para que deixasse o vício do alcoolismo.

Como meu sogro morava no sítio, precisava encomendar as cápsulas através de mim, porque eu morava na cidade. Então pediu a um vizinho que iria para a cidade, que me procurasse para fazer a encomenda. Porém, o portador do recado assim me disse: “o seu Féul pidiu prô cê comprá prá ele claps vazia”.

Pronto! — Olha a outra enrascada em que me vi envolvido! O que seria CLAPS VAZIA? Fui salvo pela minha mulher, que deduziu que o recado era para eu comprar cápsulas vazias, porque ela tinha ouvido o pai dela comentar a respeito do remédio.

É perdoável ao homem da roça falar errado, mas não aquele que está na escola para aprender. Acho que, na minha situação, nem o Maurício de Souza convocando o Chico Bento poderia resolver a charada.

Não obstante a linguística deva levar em consideração a maneira simplória de comunicação pessoas, não se pode prescindir da busca do conhecimento para o uso correto de uma língua. O ensinamento da língua pátria deve ser iniciado desde a mais tenra idade. Os professores devem, portanto, utilizar os conhecimentos da linguística para ensinar adequadamente a aplicação de um idioma e corrigir os distúrbios da linguagem.

Deixar de ter os devidos cuidados com a língua pátria é como se estivéssemos nos amoldando a um sistema de controle social, do tipo da ficção encontrada na obra “1984” de George Orwell (tradução de Wilson Velloso-19. ed. São Paulo: Ed. Nacional, 1985), em que a sociedade totalitária descrita por ele, se preocupava em exercer um excessivo controle sobre cada uma das pessoas, para manter o status quo definido e defendido pelo “Partidão”.

Em 1984, as pessoas eram vigiadas o tempo todo, com o uso da tecnologia para a realização de filmagens e escutas a longas distâncias. Com as teletelas espalhadas em pontos estratégicos das cidades, que não podiam ser desligadas pelos cidadãos comuns, as rotinas diárias de cada pessoa eram controladas em cada momento, como por exemplo: as idas e vindas dos serviços; os momentos de lazer, educação física e esportes, etc.

Os membros do Partidão se prestavam a fazer e estimular os cultos ao “The Big Brother” (O Grande Irmão), figura carismática e símbolo máximo do autoritarismo, além de noticiar a guerra deflagrada contra a Eurásia, que na verdade era uma farsa usada para desviar as atenções da população dos reais problemas existentes.

Os “Ministérios”, especialmente o “da Verdade” e o do “Amor”, se ocupavam fanaticamente em controlar os grupos sociais, inclusive ao ponto de se valerem da “Polícia do Pensamento” que tratava fundamentalmente com o “crimédia”, que continha em si todos os outros crimes. Quem cometesse “tal crime” recebia a pena da “vaporização” ou de enforcamento.

Como meio de combater esses “crimes”, o regime difundia a “Novilíngua” (idioma oficial do Partidão) para estreitar (emburrecer) a gama de pensamentos das pessoas. E a forma empregada para isso, pela “Novilíngua” era a de reduzir o número de palavras que eram utilizadas nas comunicações.

Vamos abrir parêntesis para ilustração sobre a Novilíngua:

Tomemos um exemplo hipotético de como emburrecer uma nação — retirar algumas palavras dos dicionários, ou mesmo alterar-lhes a morfologia e significado. Assim, se eliminarmos a palavra “fuso” (instrumento usado para fiar), com o passar das gerações chegará o tempo em que será quase impossível a comunicação entre as pessoas para fazê-las entender a descrição oral de um fuso.

Eis outra situação verídica. Certa vez um amigo pediu-me para organizar os arquivos do seu computador. Só consegui ligar o computador, pois o filho dele (criança) havia modificado os nomes dos programas, inclusive os arquivos operacionais do Windows. Eu não encontrei o Windows Explorer que depois fiquei sabendo que o menino alterou o nome para “aranha”. Ao desfragmentador de disco ele deu outro nome — “vaselina”. E assim por diante. Aí que eu pergunto: que diabo acerta o caminho do inferno desse jeito?

O filósofo Olavo de Carvalho, em seu artigo (na Internet) “Língua e Nacionalismo”, diz que: “Uma língua não é uma simples coleção de palavras. É um sistema. A natureza, o espírito, o valor do idioma estão na sua estrutura dinâmica, no conjunto de regras que dão a sua forma total, a qual está para as palavras isoladas como as proporções e o desenho de um edifício estão para os tijolos que o compõem. Por isso, palavras importadas não têm, por si, a força de corrompê-lo.

A corrupção começa no momento em que os falantes dão de usar termos nativos enxertados em construções frasais copiadas do exterior, que sejam incompatíveis com o espírito do idioma. Aí já não se trata de inserir tijolos, mas de alterar a planta do edifício. Mais dano traz à língua nacional quem escreve palavras portuguesas com sintaxe estrangeira do que quem usa palavras estrangeiras numa construção castiçamente vernácula. Este enriquece o idioma: aquele o contamina e infecciona. Um traz alimento; o outro, um vírus.[...]

O nacional-populismo-transgressivismo não é um nacionalismo verdadeiro. É uma doença, um complexo. Rebaixando os valores nacionais à condição de instrumentos de uma estratégia política interesseira, ele destrói o que finge defender. Se queremos preservar o idioma nacional, a cultura nacional, a honra nacional, a primeira coisa que temos de fazer é tirá-las da guarda e tutela de usurpadores, farsantes e aproveitadores.”

Agora retomemos a ficção de Orwell. Havia departamentos nos ministérios do Big Brother em “1984” (Departamento de Ficção, Departamento de Pesquisa, etc..) para cumprir uma série de funções específicas, visando sempre a controlar as ações dos indivíduos. O Departamento de Registro tinha como finalidade retificar, por exemplo, as cifras originais, fazendo com que concordassem com as posteriores. Assim, como (trecho do livro) “em fevereiro, o Ministério da Fartura dera a público uma promessa ("penhor categórico" eram as palavras oficiais) de que não haveria corte da ração de chocolate em 1984. Na verdade, como o sabia Winston (que era o encarregado do setor), a ração de chocolate deveria ser reduzida de trinta a vinte gramas no fim da semana. Bastava, portanto, substituir a promessa original por uma advertência de que provavelmente seria necessário reduzir a ração por volta de abril.

Assim que Winston providenciou as correções ordenadas, prendeu com um grampo as correções falascritas aos exemplares correspondentes do Times e meteu-os no tubo pneumático. Daí, com um movimento tão inconsciente quanto possível, amassou o recado original e as notas que havia feito, e atirou-as no buraco da memória, para pasto das chamas.

O que sucedia no labirinto invisível a que levavam os tubos pneumáticos, ele não sabia em detalhe, mas apenas em termos gerais. Assim que fossem reunidas e classificadas todas as correções consideradas necessárias a um dado número do Times, aquela edição era reimpressa, destruído o número original, e o exemplar correto colocado no arquivo, em seu lugar. Esse processo de alteração contínua aplicava-se não apenas a jornais, como também a livros, publicações periódicas, panfletos, cartazes, folhetos, filmes, arquivos de som, caricaturas, fotografias - a toda espécie de literatura ou documentação que pudesse ter o menor significado político ou ideológico. Dia a dia e quase minuto a minuto o passado era atualizado. Desta forma, era possível demonstrar, com prova documental, a correção de todas as profecias do Partido; jamais continuava no arquivo uma notícia, artigo ou opinião que entrasse em conflito com as necessidades do momento. Toda a história era um palimpsesto, raspado e reescrito tantas vezes quantas fosse necessário.

Em nenhum caso seria possível, uma vez feita a operação, provar qualquer fraude. A maior seção do Departamento de Registro, muito maior do que a de Winston, consistia simplesmente de gente que tinha por obrigação procurar e separar todos os exemplares de livros, jornais e outros documentos superados e por isso destinados à eliminação. Continuava no arquivo, com a data original, uma porção de Times que talvez, por causa de modificações do alinhamento político, ou profecias erradas do Grande Irmão, haviam sido alterados uma dúzia de vezes, e não havia outros exemplares que pudessem contradizê-los. Os livros também eram recolhidos e reescritos uma porção de vezes, e invariavelmente entregues aos leitores sem admissão alguma da troca. Nem mesmo as instruções escritas que Winston recebia, e das quais invariavelmente se desfazia assim que as cumpria, ordenavam ou insinuavam qualquer ato de falsificação: a referência era sempre a erros, enganos, más interpretações que precisavam ser corrigidos, no interesse da exatidão.”

Em suma, o que se extrai disso é que, se a história fosse registrada e contada como realmente os fatos aconteceram, quem a estudasse fatalmente se converteria num inimigo do Grande Irmão.

Para fazer uma síntese dos ministérios que compunham o governo do Big Brother em “1984”, comecemos pelo “Ministério da Verdade” cuja ocupação era manipular fraudulentamente as notícias, fazendo crer aos cidadãos somente o que lhes era permitido; quanto ao “Ministério da Paz” devia ocupar-se fundamentalmente em engendrar as guerras, como sendo a solução para os problemas do desemprego; já o “Ministério da Fartura” devia elaborar estatísticas falsas, ocultando a baixa produtividade e a minguada distribuição de alimentos; o “Ministério do Amor” por sua vez devia ocupar-se da lei e da ordem, reprimindo o sexo e estimulando o ódio.

Por tudo isso, podemos imaginar a dimensão cultural das pessoas que viviam na sociedade descrita em “1984” por Orwell. Sem o incentivo à cultura o processo de socialização do indivíduo se esvai na imbecilidade.

Mas o pensamento do Partidão era de que: “Quem controla o passado controla o futuro; quem controla o presente, controla o passado”. E o processo para a consecução desse pensamento envolve o “controle da realidade” ou o “duplipensar” que é uma investida para obter infindáveis vitórias sobre a memória. O Partidão engendra e impõe suas mentiras através das mídias, que se tornam verdades e se tornam história.

Vejam que a propaganda e o convencimento das massas pelas mídias foram armadilhas que Adolf Hitler usou, tanto que ele reconhecendo o seu poderoso efeito, disse com todas as letras em seu livro “Mein Kampf” (tradução de Klaus Von Puschen – São Paulo: Centauro, 2001):

“A quota mais eficiente na "educação" política, que, no caso, com muita propriedade, é chamada "propaganda", é a que cabe à imprensa, a que se reserva a "tarefa de esclarecimento" e que assim se constitui em uma espécie de escola para adultos.[...]”

“A burguesia vê, como no teatro e no cinema, no lixo da literatura e na torpeza da imprensa, dia a dia, o veneno se derramar sobre o povo, em grandes quantidades, e admira-se ainda do precário "valor moral", da "indiferença nacional" da massa desse povo, como se a sujeira da imprensa e do cinema e coisas semelhantes pudessem fornecer base para o
conhecimento das grandezas da Pátria, abstraindo-se mesmo a educação individual anterior.[...]”

Um comentário:

  1. Pois é... E assim as coisas vão sendo (des)construídas... tudo vai se degenerando, se nivelando por baixo...

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